Num país “que não paga tão bem”, “Rabo de Peixe” pode ser uma esperança para os jovens que ambicionam os grandes ecrãs?
PAULOGOULART/NETFLIX
“Rabo de Peixe” é uma das produções que ganhou 25 mil euros do Concurso de Escrita e Desenvolvimento de Argumento lançado pela Netflix em conjunto com o Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA). Daí, saltou para o sucesso mundial. Mas será isto suficiente entusiasmar os jovens que procuram um futuro no audiovisual?
Partem para a universidade com um sonho e profissionalizam-se em Cinema, Audiovisual e Teatro, mas logo percebem que o sonho se insere numa “área em que não há muito trabalho” e num “mercado que não paga tão bem”. Três testemunhos para perceber como é que os jovens percecionam as hipóteses que se abrem em produções como aquelas que venceram o Concurso de Escrita e Desenvolvimento de Argumento da Netflix com o ICA.
Vencedores do "Concurso de Escrita e Desenvolvimento de Argumento Netflix | ICA"
Enquanto a população da ilha de Rabo de Peixe se dividia nas opiniões que tinha, os jovens portugueses, que dão os primeiros passos no mercado de trabalho da área de Cinema, Audiovisual e Teatro, começavam a trocar ideias sobre o contributo da produção que estava a merecer destaque.
José Condessa numa fotografia de bastidores da série "Rabo de Peixe"
Miguel Tedim Silva, de 22 anos, conta, ao Expresso, que este tem sido um tema “debatido” entre “o pessoal da área”. O jovem, que se licenciou em Ciências da Comunicação na mesma universidade que o realizador da série Augusto Fraga (Universidade do Minho) e está agora a frequentar um Mestrado em Produção e Realização Audiovisual na Escola Superior de Media, Artes e Design do Politécnico do Porto, considera que estas produções são uma mais valia para o “networking dentro do meio”. Por ser um mercado “bastante pequeno”, este tipo de série acaba por “permitir a possibilidade de uma maior aproximação entre os vários profissionais do sector a nível nacional”.
“Rabo de Peixe constitui uma excelente oportunidade para o sector do Cinema português”, continua. O atual estudante de mestrado, que também realiza trabalhos em regime freelance de realizador e diretor de fotografia, julga que esta é uma “série que corresponde a um conjunto de convenções de ordem comercial, que asseguraram naturalmente o sucesso entre o público internacional”.
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Pedro Teixeira, membro do Movimento Estudantil Pelo Cinema Português, concorda com Miguel num aspeto: o que se produziu em Portugal está “muito próximo daquilo que a Netflix produz noutros países”. Contudo, o freelancer de 24 anos na área de montagem acha “difícil, pelo menos do ponto de vista mais autoral, existir uma network que leve pessoas portuguesas lá para fora”. Pedro considera, ainda, que este tipo de estilo comercial pode trazer um problema. “Pode começar a criar-se, ou se calhar já se começou, uma associação entre o sucesso e este estilo. E isso é perigoso porque tende a caminhar no sentido de uma coisa mais homogénea deste tipo de produções.”
“Não há uma identidade muito grande daquilo que vi destas séries, além do facto de serem faladas em português, de serem filmadas em Portugal. Acho que estilisticamente não se destacam do resto”, continua. “Nós somos um país que só nos últimos anos é que começou a apostar, especialmente através da RTP, na produção de série. Estamos a ganhar conhecimentos e a fazer coisas mais interessantes, mas não somos um país que tenha muita cultura de fazer isto.”
No entanto, Pedro, que estudou na Escola Superior de Teatro e Cinema, sente que a maior mudança pode vir para os atores e não para “quem fica atrás da câmara”. “Do ponto vista de atores pode haver mais reconhecimento.” Sid Martins, formado na Inimpetus, concorda. Apesar de admitir que é uma “área em que não há muito trabalho”, o cenário pode começar a alterar-se. “Penso que já mudou um pouco na cabeça das pessoas”, diz, mas considera que ainda falta “as pessoas do meio acreditarem e fazerem para que aconteça”.
O sentimento de que se trata de uma área precária é comum aos três jovens. Pedro afirma que é “um mercado que não paga tão bem”. O artista Sid Martins considera que o futuro está nas mãos da sua geração. “A minha geração e as futuras podem e devem ajudar-se a fazer evoluir o cinema português, como está a acontecer agora”, diz. “Temos muito bons atores, realizadores e profissionais de arte em Portugal”, continua.