Como fazer "jornalismo político na era da pós-verdade"? Tim Alberta, jornalista senior de política no jornal online norte-americano Politico tem algumas ideias. Uma: o jornalismo eve explicar muito bem o que faz, como faz e porque faz - deixar claras as regras, os procedimentos, os métodos de trabalho, e melhorá-los sempre que não passem no teste. Outra: combater a "mentalidade de matilha", que tantas vezes toma conta das redações e em particular das editorias de política, onde os jornalistas acabam a falar uns para os outros, e para as suas fontes, fechados numa "câmara de eco", em vez de falarem para o público, sobre coisas que as pessoas sejam capazes de entender e que lhes interessam. Ou seja, sair da "bolha" em que o jornalismo político muitas vezes vive.
Outra ideia ainda: aproveitar este momento em que a pressão política é enorme, com os responsáveis políticos e governamentais a gritarem "fake news" contra qualquer notícia que lhes desagrade, "para os jornalistas darem um passo atrás e perceberem que não temos margem de erro". Se o slogan de Trump, o pai das fake news, era "tornar a América grande outra vez", os jornalistas devem aproveitar para "tornar o jornalismo grande outra vez".
“Estar certo é melhor do que ser o primeiro”
Sim, isso passa por reconhecer que o jornalismo tem cometido muitos erros, e que muitos eram "evitáveis", bastando muitas vezes demorar mais, confirmar melhor, antes de noticiar alguma coisa que se venha a revelar falso ou incorreto. "Estar certo é mais importante do que ser o primeiro", resumiu Tim Alberta.
A pressão política sobre os media nos EUA, de onde Alberta é originário, ilustra bem essa necessidade de não cometer erros. Donald Trump não hesita em rotular como falsa qualquer notícia que lhe desagrade, mesmo que seja verdadeira - mas faz um festim com qualquer informação que se revele menos correta, ou que tenha qualquer falha. Daí a importância do tal "passo atrás" defendido pelo jornalista do Político. "Temos de fazer o nosso trabalho tão bem que não demos margem nenhuma para que Donald Trump nos ataque".
Um exemplo dessa pressão política até sobre os meios de comunicação social mais respeitado foi acrescentado à conversa por Dafna Linzer, editora de política da NBC: uma biblioteca da Florida foi impedida de continuar a comprar o New York Times porque Trump diz que o NYT publica "fake news"... e o próprio Trump retweetou uma notícia que dava conta dessa decisão. Não espanta, por isso, que a desconfiança em relação aos media seja cada vez maior, alimentado por quem está no topo do aparelho do Estado.
Por outro lado, os estímulos do mercado contrariam o jornalismo de qualidade, que exige tempo e ponderação. James Ball, jornalista britânico e editor do Bureau of Investigative Journalism, chamou a atenção para a necessidade de mais rapidez, para gerar mais tráfego, que gere mais dinheiro. Ball fez uma analogia fácil de perceber: muitos jornalismos de política insistem com os leitores para que comam os legumes - apresentam-lhes as nuances, a explicação complexa, os vários pontos de vista -, quando boa parte do público quer mesmo é comer um bom bife - notícias diretas, com respostas simples. A questão é como dar as duas coisas: bom jornalismo de forma atraente; ou bife acompanhado de legumes. Em todo o caso, diz James Ball, a resposta não passa por o jornalismo de referência continuar a dizer que está a fazer tudo certo e que é o público quem está errado.
“A imparcialidade é uma má ideia”
E a acusação de parcialidade que muitas vezes é lançada pelos políticos sobre os jornalistas? A ideia de que o jornalismo não é isento acaba ou não por alimentar a narrativa de que estamos num tempo de pós-verdade, em que cada um tem a sua?
"A imparcialidade é uma má ideia", respondeu Ball. "Toda a gente tem o seu ponto de vista, e é estranho achar que alguém que se dedica a acompanhar um determinado assunto não tenha um ponto de vista sobre ele." A questão, diz, é outra: assumir o ponto de vista, mas ao mesmo tempo ser transparente, escrutinável e assumir a responsabilidade. E, já agora, como propôs Tim Alberta, aumentar a diversidade nas redações - gente com origens, percursos de vida e pontos de vista diferentes.
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