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O aviso de Tony Blair: “É um erro combater o populismo de direita com populismo de esquerda”

O aviso de Tony Blair: “É um erro combater o populismo de direita com populismo de esquerda”
Tiago Miranda

Ex-primeiro-ministro britânico ainda acredita que é possível travar o Brexit (novo referendo? Claro!). Em Lisboa, durante a Web Summit, defendeu pontes, meios-termos e abertura para compreender quem vota Trump ou opta pela saída da UE

O aviso de Tony Blair: “É um erro combater o populismo de direita com populismo de esquerda”

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

“É um erro combater o populismo de direita com populismo de esquerda.” Quem o afirma é Tony Blair, na Web Summit. “Se a esquerda diz que a culpa é toda das empresas e a direita diz que é dos imigrantes, nada se resolve”, assegurou o antigo primeiro-ministro britânico (1997-2007), esta terça-feira à tarde.

Sob o mote “Brexit, a história interminável”, o trabalhista partilhou a esperança de que o Reino Unido não chegue a sair da União Europeia (UE) e deixou entrever críticas à atual liderança do seu partido. Avisou ainda que as eleições de 12 de dezembro podem não resolver o processo em que o país se atola desde o referendo de 2016.

“Espero que acabe por não acontecer”, disse Blair, referindo-se ao Brexit, que considera “uma péssima ideia”. O ex-governante respondia a uma pergunta do Expresso e explicou a um público entusiasmado que a votação na consulta popular foi influenciada por muitos fatores que nada têm que ver com a questão europeia.

Na raiz de tudo está o populismo, isto é, “explorar agravos em vez de lidar com eles”, assegura Blair. Aponta exemplos dos dois lados do espectro político: “A esquerda diz que a culpa é toda das empresas, a direita que é tudo culpa dos imigrantes”. Ora, defende, “não vale a pena concorrer a eleições sem reconhecer os problemas que existem”, seja na desigual distribuição de riqueza, seja na integração de quem vem de fora.

Construir pontes

O homem que liderou a Terceira Via (tentativa de síntese entre socialismo democrático e economia de mercado) esgrimiu em Lisboa a virtude dos meios-termos. “Pode haver uma abordagem razoável em relação à imigração. Tem de haver regras e não se pode receber toda a gente, mas devemos celebrar a riqueza trazida pela imigração. Ela é fonte de criatividade, inovação, ideias e energia. Mas, se não houver regras, haverá preconceitos.”

Perceber o que vai na cabeça de quem tem esses preconceitos é fulcral, defende Blair. “Quem luta contra Trump tem de construir pontes dirigidas aos que votam Trump”, afirmou. Referindo-se ao partido que renovou (ou descaracterizou, dirão os críticos) entre 1994 e 2007, vaticinou que “o Partido Trabalhista tem mais chances de ganhar e governar durante um longo período se lançar essas pontes em vez de adotar um populismo de esquerda contra o populismo de direita”.

Conhecido crítico de Jeremy Corbyn, o atual líder trabalhista, Blair confessou que o debate político no seu país lhe parece hoje “o de há 30 anos”. A seu ver, “ter uma visão muito ideológica do mundo faz com que se defenda espasmos emocionais e não soluções”. Terá decerto pensado em Corbyn quando aconselhou a esquerda a adotar uma agenda “que vá além dos binarismos do passado” em vez de “pensar que pode voltar aos anos 70”.

A necessidade de otimismo

Tais ralações estendem-se à esquerda europeia, que “não está a fazer uma análise das mudanças por que o mundo passa”. Blair deu um exemplo recente: numa reunião com políticos progressistas, pôs-se a falar de revolução tecnológica quando um deles interrompeu: “Primeiro tratemos da política”. Ora, pergunta o antigo chefe de Governo, haverá algo mais político do que discutir algo que desloca povoações e rompe modos de vida? “Quando vierem os carros sem condutor, quantos postos de trabalho se tornarão redundantes?”

Estes medos criam pessimismo - e este alimenta o populismo, avisa. “Já os otimistas exploram oportunidades.” É por isso que a esquerda deve, aproximando-se do centro, “ter em conta preocupações genuínas e atender aos que a globalização deixou para trás”.

Tal não significa mais poder para o Estado (um erro que este liberalizador sempre apontou às outras correntes trabalhistas). “O mundo atual não pensa que o Estado resolva tudo. Quer libertação, as pessoas querem fazer escolhas.” Para quem pense que se esqueceu da sua morada política, atira: “Se o mundo muda, temos de pensar como fazer sentido disso e lutar para que beneficie muitos e não apenas as elites”.

Novo referendo ao Brexit? Claro!

Blair não está particularmente entusiasmado com as eleições legislativas de 12 de dezembro no Reino Unido, que preferia que se realizassem mais tarde. “Não devíamos ter misturado Brexit com eleições”, defende, antes de expliar que há outros temas em cima da mesa. Faz um sorriso amarelo quando o moderador diz “como antigo líder, seguramente votará nos trabalhistas”. É incerto que Corbyn atraia o ex-líder, que perguntou na Web Summit: “Quem tentará articular uma agenda moderna para o país?”.

Quanto à saída da UE, receia que aconteça como em 2017, quando Theresa May convocou eleições a pretexto de resolver o Brexit e o Parlamento saído das urnas se pronunciou sempre contra tudo e o seu contrário. Blair prevê que os conservadores vençam, mas não sabe se terão maioria e frisa que errou, em 2016, o resultado do referendo do Brexit e da eleição de Donald Trump nos EUA. Acresce o peculiar sistema eleitoral do Reino Unido (que detalhou para esclarecimento da plateia).

O Brexit “criou uma linha divisória cultural mas também económica”, explica o trabalhista, confrontado com o dado de que hoje a maioria dos britânicos se identifica mais com uma posição sobre a UE (pró ou contra) do que com partidos políticos. Acredita que esta fixação trará desilusões. Um dia em que o nó se desate para um lado ou para o outro “não lhes restará nada”. E se houver mesmo saída, os efeitos negativos “tornar-se-ão visíveis”.

“Não será necessariamente permanente, mas durará por muitas gerações”, diz Blair. Julga que um novo referendo seria “totalmente democrático”, pois as pessoas estão “muito mais bem informadas do que em 2016” e deviam “ter hipótese de se pronunciar”. Garante que não é verdade que o Reino Unido não possa ser um país soberano na UE. “Em dez anos como primeiro-ministro nunca a UE me disse que não podia fazer algo que queria ou que tinha de fazer algo que não queria.”

Outro motivo para reverter a decisão de há três anos é político. Num mundo dominado por América, China e Índia, adverte, “sentadas à mesa as grandes potências podem esmagar países médios”, como o Reino Unido. “Devíamos encontrar terreno comum com os Estados Unidos, por causa da China. Comparado com isto, o Brexit é uma irrelevância”, assevera. E termina com um alerta que já o negociador-chefe dos 27, Michel Barnier, deixara de manhã: o risco de sair sem acordo ainda não foi eliminado.

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