Web Summit

Não aprendemos nada com 2016 e isso pode custar muito em 2020: as lições de democracia do dia 1 da Web Summit (e ainda a bondade de Cantona)

Tony Blair, um dos oradores do dia, considera que a falta de informação sobre a Europa no referendo ao Brexit influenciou os resultados e considera que hoje seria diferente
Tony Blair, um dos oradores do dia, considera que a falta de informação sobre a Europa no referendo ao Brexit influenciou os resultados e considera que hoje seria diferente
Tiago Miranda

Cantona quer mudar o mundo e uma app quer mudar-nos os cocktails; o Brexit “é uma péssima ideia” e 16% dos presentes na Web Summit têm boa ideia de Trump; o dono do Facebook permite que os eleitores sejam manipulados e quem permite que essa manipulação seja conhecida não está a ser protegido como devia. Resumo de um dia, o primeiro a sério da Web Summit de Lisboa, em que se discutiram coisas mais ou menos complicadas sobre um mundo definitivamente complexo - e aparentemente repleto de gente desprotegida

Não aprendemos nada com 2016 e isso pode custar muito em 2020: as lições de democracia do dia 1 da Web Summit (e ainda a bondade de Cantona)

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

Não aprendemos nada com 2016 e isso pode custar muito em 2020: as lições de democracia do dia 1 da Web Summit (e ainda a bondade de Cantona)

Liliana Coelho

Jornalista

Não aprendemos nada com 2016 e isso pode custar muito em 2020: as lições de democracia do dia 1 da Web Summit (e ainda a bondade de Cantona)

Miguel Prado

Editor de Economia

Não aprendemos nada com 2016 e isso pode custar muito em 2020: as lições de democracia do dia 1 da Web Summit (e ainda a bondade de Cantona)

Filipe Santos Costa

Jornalista da secção Política

Era um dos nomes mais aguardados do dia. Brittany Kaiser, a whistleblower (denunciante) e antiga diretora de desenvolvimento de negócio da Cambridge Analytica, garantiu esta terça-feira, durante a Web Summit, em Lisboa, que os cidadãos estão hoje tão desprotegidos como estavam em 2016, ano em que a empresa de consultoria política usou dados dos utilizadores do Facebook para influenciar as eleições norte-americanas.

Para Kaiser, “a maior ameaça à democracia não é a interferência externa nas eleições, é a doméstica”, acrescentava horas antes durante um painel no palco principal. E diria depois: “Infelizmente, não aprendemos nada com as eleições de 2016, porque Mark Zuckerberg [líder do Facebook] ainda permite que isso aconteça”. “O que eu vi em 2016 foram casos avançados de instrumentalização dos dados das pessoas”, sublinhou em conferência de imprensa a também cofundadora da fundação Own Your Data. Mas em 2020 os cidadãos de todo o mundo ainda estão desprotegidos, acrescenta.

A antiga diretora da Cambridge Analytica, uma das protagonistas do documentário da Netflix “The Great Hack”, reconhece que não é fácil ser whistleblower nos dias de hoje. Questionada sobre o caso do denunciante português Rui Pinto, detido pelas autoridades portuguesas por causa das revelações no âmbito Football Leaks, Kaiser diz não conhecer o caso, mas acrescenta que é necessário “proteger os denunciantes”. E deixa um apelo: “Encorajo a Comissão Europeia e os Estados Unidos a passarem legislação para proteger os denunciantes.”

A péssima ideia do Brexit e a boa ideia que 16% têm de Trump

O ex-primeiro-ministro do Reino Unido (1997-2007) Tony Blair, outro dos oradores, abriu a sua intervenção dizendo que o Brexit é uma péssima ideia. “Espero que acabe por não acontecer”, afirmou, antes de defender que a votação foi influenciada por muitos factores que nada têm que ver com a questão europeia.

Para Blair, o Brexit “criou uma linha divisória cultural mas também económica” e, quando estiver concluído, as pessoas vão ver que “não resta nada”. E haverá os efeitos, a seu ver negativos, para a economia e as relações internacionais.

“Todos perdem”, concordava esta terça-feira Michel Barnier, negociador chefe da União Europeia para o Brexit, que sublinhou que ratificar o acordo do Brexit “é um passo necessário mas não o fim”.

Referindo que “a UE concedeu” o adiamento da saída, pedido pelo Reino Unido para “concluir o processo de ratificação” do acordo alcançado entre Boris Johnson e os parceiros europeus, Barnier adotou a tónica de responsabilizar os britânicos, como é seu apanágio desde o referendo de 2016.

Noutros momentos do dia, foi das próximas eleições norte-americanas e de Donald Trump que se falou. Numa espécie de combate de boxe em contra-relógio, Joe Pounder, CEO da consultora Bullpen Strategy Group, defendeu que Donald Trump tem sido um presidente bem-sucedido, mas Neal Katyal, advogado e ex-procurador geral dos EUA, bateu-se pela tese contrária.

Já o público, como ficou claro pelos aplausos apenas dirigidos ao adversário de Trump, não aprecia o desempenho do presidente dos EUA. Uma inclinação que seria depois confirmada por uma sondagem: 84% dos que encheram esta conferência consideraram que Trump tem feito um mau mandato; só 16% votaram no sentido contrário.

Cantona quer mudar o mundo, o Facebook os pagamentos

“E se toda a gente que está aqui doasse 90 minutos por semana, a duração de um jogo de futebol, para mudar o mundo?” Foi assim que o ex-futebolista Éric Cantona interpelou a plateia para dar a conhecer a Common Goal, um movimento que desafia os futebolistas e pessoas ligadas àquele desporto a doarem 1% do salário para a comunidade. O ex-número 7 do Manchester United é o embaixador da causa.

“Nunca falei com os meus irmãos sobre dinheiro ou fama, era sobre paixão, sobre ganhar… Fiquei a saber que alguns pais agora falam de dinheiro e fama aos filhos. Dinheiro, pobreza, crescimento… Estamos a perder a essência do jogo”, atirou, fazendo a cama para o tema importante. Se em tempos Sócrates, craque brasileiro do futebol, disse que as suas pernas amplificavam a voz (que pedia liberdade no voto e justiça social), agora é a vez de Éric Cantona pedir algo semelhante: que o futebol ofereça mais dignidade ao mundo. Um por cento de cada vez.

Também o vice-presidente da carteira digital do Facebook, Calibra, Kevin Weil, veio fazer propaganda ao seu projeto. “Podemos fazer pelo dinheiro o que a Internet fez pela informação?”.

No fundo, a Libra e a Calibra querem tornar tudo mais fácil e gratuito. E rápido. E querem que este tipo de serviço chegue às 1,7 mil milhões de pessoas do mundo que não têm acesso a uma conta bancária e que guardam as poupanças numa qualquer esconderijo em casa. Se o conseguirem fazer, “será um mundo melhor”, garante.

“Não será uma viagem curta nem rápida, precisamos de parceiros. Será um trabalho de décadas”, diz. A desconfiança no Facebook, pela história da Cambridge Analytica e da venda de dados também subiu ao palco. Weil desvalorizou: “Os dados financeiros não serão misturados com os dados sociais, mas há pessoas nesta plateia que não vão acreditar em mim e está tudo bem…”, desabafa.

Trotinetas da Uber em Lisboa, internet no deserto e milhões para investir em startups ibéricas

No mesmo dia em que a Uber anunciou que vai lançar 200 trotinetas na capital portuguesa – referindo também a aposta no transporte aquático na Nigéria, nas motas na Índia e nos carros voadores em 2023 -, o Fundo Europeu de Investimento (FEI) e a Instituição Financeira para o Desenvolvimento IFD) anunciavam um fundo para investir em startups ibéricas de software de dados.

O Faber Tech II, que representa um investimento de 30 milhões de euros, é o novo fundo early-stage. O FEI e a IFD investem cada 7,5 milhões de euros neste fundo, devendo os restantes 15 milhões ser captados junto de investidores institucionais e privados.

Outra das revoluções apresentadas durante a Web Summit chegou pela mão da OneWeb. "Não interessa onde estejas, no deserto, na montanha, no meio do oceano ou numa pequena ilha isolada, porque connosco a internet vai ter contigo", afirmava Adrián Steckel, presidente executivo da empresa que está a lançar satélites para garantir o acesso à internet por banda larga em todo o mundo. “A nossa inovação irá mudar vidas.”

O CEO adianta que nos próximos 21 meses serão lançados aproximadamente 35 satélites por mês, com vista à meta ambiciosa de 2 mil satélites. E descarta a possibilidade de colisão. “É uma hipótese mesmo muito remota.”

Mas nem só de oradores e conferências vive a Web Summit. Diversas empresas, de todos os tamanhos, aproveitam o evento para se destacar: seja a EDP através de um ringue de boxe para apresentações rápidas de ideias de negócio, a SAP com um campo de basquetebol inteligente ou até a Accenture com uma app que faz cocktails.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mjbourbon@expresso.impresa.pt

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