Média

O dinheiro para financiar os media terá de vir das grandes tecnológicas (e nem tanto do Estado)

O dinheiro para financiar os media terá de vir das grandes tecnológicas (e nem tanto do Estado)
ANTÓNIO COTRIM

Não houve consenso no Congresso de Jornalistas sobre a melhor forma de aliviar os constrangimentos financeiros dos meios de comunicação social. O mais perto disso está na responsabilização das grandes plataformas tecnológicas, que usam conteúdos que não são seus e lucram milhões com eles, segundo os diretores dos principais títulos de imprensa portugueses

Como financiar o jornalismo, mais uma vez. E a lista de possibilidades é extensa. Entre apoios do Estado aos meios de comunicação social, mecenato, benefícios fiscais, possibilidade de alocação dos 0,5% do IRS aos media, está tudo em cima da mesa sem haver consenso dentro da classe. Entre os únicos pontos em que há concordância está a necessidade de se taxar as grandes plataformas tecnológicas que pilham o trabalho de milhares de jornalistas e o vendem como se fosse seu.

No 5.º Congresso dos Jornalistas, que decorre até domingo no Cinema São Jorge, em Lisboa, na sessão “Financiamento dos media: quem vai pagar pelo jornalismo?”, elencaram-se várias possibilidades para financiar os meios de comunicação, pedras de toque da democracia.

Do lado fiscal, referiram-se as possibilidades de incluir os meios na lista de consignação dos 0,5% do IRS - num primeiro momento restrita a instituições particulares de solidariedade social (IPSS) mas recentemente alargada a instituições e equipamentos culturais - benefícios fiscais diretos como redução ou supressão das taxas de IVA nos custos de contexto dos meios, como eletricidade e água; ou o incentivo à contratação de profissionais pelo lado da redução das contribuições ou impostos a pagar. Avançou-se com a possibilidade de se subsidiar diretamente os meios de comunicação pelo Estado; e voltou a falar-se da gratuitidade da agência Lusa como forma de libertar recursos financeiros dos meios.

“Dinheiro direto na Comunicação Social, não”, defendeu Pedro Leal, da Rádio Renascença. “Quem mete dinheiro quer influenciar e forçar uma solução”. Manifestando-se também contra os apoios diretos do Estado aos meios, Ricardo Costa, da SIC, chamou a atenção para o potencial “dilema moral” de obrigar os contribuintes a escolherem entre associações de apoio social e meios de comunicação na consignação dos 0,5% do seu IRS

“As plataformas tecnológicas estão em toda a cadeia mas não tenham a mínima dúvida que é aí que está o dinheiro que poderia ser devolvido aos órgãos de comunicação social”, disse. E recusou soluções únicas “para problemas tão diversos” como algo "impossível”. Acrescentou ainda que, a seu ver, grande parte da solução passa por fontes tradicionais como publicidade e assinaturas. “A ideia de que se deve abdicar da publicidade é um suicídio colectivo”, frisou.

António José Teixeira, diretor de Informação da RTP, disse que “as plataformas deviam ser obrigadas a abrir os algoritmos” e apelou a que se “arranje maneira de impedir que” o roubo de conteúdos pelas grandes plataformas “continue a acontecer”. E aludiu ao processo interposto pelo New York Times à OpenAI, tecnológica responsável pela plataforma de Inteligência Artificial generativa ChatGPT, como um exemplo a seguir: “Isto não é admissível, é o nosso trabalho”.

Mário Galego, diretor de Informação da RDP, chamou a atenção para a situação da contribuição audiovisual - a grande fonte de financiamento dos serviços públicos de televisão e de rádio - hoje “o melhor sistema à exceção de todos os outros” e sem atualização “há 7 anos”. E Nuno Santos, da TVI/CNN, não discorda de apoios diretos do Estado, dizendo ser “possível encontrar uma matriz” para tal. Este “é o bom momento para o fazer”, acrescentou.
O painel que se seguiu sobre “Financiamento do jornalismo de imprensa e online” começou com um aplauso à redação do “Jornal de Notícias" (JN), sem salários há mais de um mês, e à sua diretora demissionária. Inês Cardoso, participante nesta mesa redonda, recordou que nem o sucesso do JN, um jornal com “resultados positivos” a nível financeiro, evitou que o título fosse alvo de “sucessivos despedimentos coletivos” ao longo dos anos. “Se nem isso nos protege há uma reflexão que temos de fazer”, alertou. Inês Cardoso reafirmou que “as taxas tecnológicas devem ser o foco”, um caminho que deve ser “feito rapidamente”; e apelou a que se considerem apoios aos correspondentes num país com graves lacunas na cobertura jornalística do território.

João Vieira Pereira, diretor do Expresso, culpou mais de “20 anos de estratégias erradas” e de “erros de gestão” que levaram os meios a “oferecer conteúdos a toda a gente” - até começarem a “fechar” os artigos de valor acrescentado a assinantes. A única forma de apoio público que deve ser considerada para os meios, para Vieira Pereira, "passa por apoio à criação de emprego", como a redução da Taxa Social Única. “Não queremos viver da inteligência artificial, queremos viver dos jornalistas”, garantiu; e apelou a mais união da classe: “se não lutarmos juntos morremos sozinhos”.

Carlos Rodrigues, diretor geral editorial da Medialivre, ex-Cofina, dona do Correio da Manhã e da CM TV, reconheceu que a decisão de se enveredar por um canal de televisão generalista é hoje “um fator fundamental para o equilíbrio” financeiro do grupo.

Já David Pontes, diretor do Público, alertou que “a imprensa perdeu utilidade e relevância para a vida das pessoas”, já que antes, numa época em que, por exemplo, procurar emprego ou uma casa implicava recorrer aos classificados de um jornal, “estávamos muito mais embebidos na vida do dia a dia, além das notícias e das opiniões".

Miguel Pinheiro, diretor do Observador, concordou que “a escala é importante”, tendo sido um dos critérios que presidiu ao lançamento da Rádio Observador. E sublinhou que “dar lucro é importante, dar lucro é bom”, já que exprime a capacidade de um meio de comunicação se conseguir “alimentar a si próprio”. “Se fizermos um jornalismo que chega às pessoas” haverá geração de receita, frisou, e deu como exemplos de produtos novos plataformas como os podcasts e as newsletters.

“Sem a Lusa não haveria comunicação social em Portugal”, disse Luísa Meireles, diretora de Informação da agência Lusa. Apesar da indemnização compensatória de 16 milhões de euros dada pelo Estado, a agência também tem de garantir receitas próprias para pagar a sua estrutura - que são cada vez menores. Apelou ainda a que os meios de comunicação não usem inteligência artificial generativa para substituir jornalistas (mas disse que “o ChatGPT4 faz coisas fantásticas”).

Sobre a gratuitidade da linha da Lusa para os meios, Miguel Pinheiro e David Pontes mostraram-se céticos. “Não sei como é que se vai salvar o jornalismo se todos os meios publicarem a mesma notícia”, ironizou o diretor do Observador; ao passo que, para o diretor do Público, acesso ilimitado à produção da agência por qualquer meio com registo na Entidade Reguladora para a comunicação social (ERC) não é solução."

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