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Fundos europeus

Auditoria à Operação Maestro confirma suspeitas do MP: autoridades querem €30 milhões de volta e cabeças a rolar na AICEP

Auditoria à Operação Maestro confirma suspeitas do MP: autoridades querem €30 milhões de volta e cabeças a rolar na AICEP
Rui Duarte Silva

Ação de controlo encomendada pelo Governo confirma utilização indevida de fundos europeus pelo empresário Manuel Serrão, entre outros. Despesas insuficientemente justificadas, autofaturação, relatórios ignorados e fornecimentos por entidades relacionadas aos projetos são as "graves falhas" apontadas aos organismos públicos responsáveis pela gestão das verbas

A auditoria encomendada pelo Governo à Agência para o Desenvolvimento e Coesão (Ad&C) confirmou o uso indevido de fundos europeus no âmbito da Operação Maestro, suportado pela ineficácia na prevenção, deteção e correção de erros dos organismos públicos que analisaram e aprovaram as despesas dos projetos alvo de suspeição pelo Ministério Público (MP).

Os beneficiários, entre os quais avulta o empresário Manuel Serrão, terão de devolver 30 milhões de euros indevidamente obtidos e sanções deverão ser aplicadas no interior da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP).

Num comunicado que fez chegar esta terça-feira ao Expresso, o ministro Adjunto e da Coesão Territorial diz não poder haver "quaisquer dúvidas sobre a correta gestão da atribuição e aplicação" dos fundos comunitários, essenciais para o desenvolvimento económico do país. Salientando uma "posição de tolerância zero para a fraude”, Manuel Castro Almeida vinca que se “impõe recuperar o dinheiro indevidamente recebido e sancionar os infratores”, acrescentando ainda que é "absolutamente fundamental preservar a confiança nas entidades responsáveis”.

Em causa está um alegado esquema fraudulento de obtenção de quase 39 milhões de euros para 14 projetos cofinanciados pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), entre 2015 e 2023, do qual Manuel Serrão é considerado o principal mentor. António Sousa Cardoso e António Branco e Silva também são arguidos nesta investigação, que sustenta que subsídios destinados à Associação Selectiva Moda e às empresas No Less e House of Project - Business Consulting foram desviados para proveito próprio, através de justificações contratuais falsas para serviços e fornecimento de bens.

Para esta ação de controlo, pedida a 16 de abril e que contou com a coordenação da Inspeção-Geral das Finanças (IGF), a Ad&C analisou 16 operações, que envolveram 16 processos de candidaturas, 89 pedidos de pagamento e 17 335 linhas de despesa, cujo montante declarado para efeitos de cofinanciamento ascende a 72,4 milhões de euros. As autoridades apreciaram ainda cerca de duas mil comunicações trocadas entre organismos e beneficiários, levando igualmente a cabo verificações no local e supervisões administrativas.

Daí, resultou a confirmação de "insuficiências ao nível da aplicação dos procedimentos de gestão nas fases de análise e seleção de candidaturas, verificações de gestão (administrativas, no local e encerramento) e supervisão das funções delegadas".

O rol de "graves falhas", já enviado para o MP, começa pelas despesas “insuficientemente justificadas numa unidade hoteleira no Porto”, das quais faturas não permitem verificar a identidade dos hóspedes ou a duração das estadias. Trata-se do Sheraton Porto Hotel, onde Manuel Serrão, o principal mentor do esquema fraudulento que terá lesado o Estado em quase 40 milhões de euros, viveu de forma permanente durante oito anos, por um custo total de 372 mil euros.

Seguem-se fornecimentos realizados por entidades relacionadas com os beneficiários dos projetos: “Por exemplo, foram identificados fornecedores participados por consultores do projeto (com participação acionista direta ou indireta nesses mesmos fornecedores), sem evidência de que as operações entre estas partes tenham sido realizadas em condições de mercado”, refere a nota de imprensa do Ministério da Coesão.

E, não bastasse ter sido detetado um caso de autofaturação - em que um fornecedor apresentou uma despesa, confirmando-se, através do respetivo número de contribuinte, que o próprio era o promotor do projeto -, a auditoria concluiu que denúncias internas de irregularidades financeiras, nomeadamente transferências bancárias irregulares entre partes relacionadas, foram desvalorizadas pelos superiores AICEP, sem que seguimento fosse dado a esse reporte.

A tutela de Manuel Castro Almeida informa que estas desconformidades obrigam à anulação, por parte da Ad&C, de 30 milhões de euros em despesas já certificadas, com procedimentos de recuperação de fundos indevidos a serem conduzidos pelas autoridades de gestão Compete 2030, Norte 2030 e PR Lisboa 2030.

"Situações como as identificadas através desta ação de controlo são gravemente lesivas do Estado. São também profundamente negativas para a imagem do país, não só a nível nacional, mas também junto das instâncias europeias. Irregularidades destas não deviam existir, mas se existem têm de ser prontamente identificadas e imediatamente corrigidas", reforça o governante. As conclusões da auditoria foram remetidas ao Ministro da Economia - que tem a pasta da AICEP - “para que possam ser ponderadas ações adicionais”, designadamente de natureza disciplinar.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mcdias@expresso.impresa.pt

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