Agricultura

IVA zero nos alimentos já está a dividir os agricultores

IVA zero nos alimentos já está a dividir os agricultores
viki mohamad/unsplash

Menos de 24 horas depois da assinatura de um acordo entre Governo, a associação que representa a grande distribuição e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), a outra confederação do sector, a CNA, diz que “não passa cheques em branco”

A Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que representa sobretudo a pequena e média agricultura familiar, que constituem mais de 90% das explorações agrícolas do país, afirma que não “passa cheques em branco” e que, por isso, não subscreveu o “Pacto para a Estabilização e Redução de Preços dos Bens Alimentares”, leia-se IVA zero para um cabaz de 44 produtos alimentares considerados essenciais.

O acordo para a eliminação do IVA naqueles bens de primeira necessidade foi assinado ontem, segunda-feira, em Lisboa, pelo Governo, pela Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) – que representa as maiores empresas do sector, e ainda pela Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição APED).

Em comunicado distribuído esta terça-feira, a CNA explica que na origem da sua decisão estão razões que vão desde a “ausência de um compromisso sério por parte do Governo em afrontar o poder da grande distribuição e dar resposta aos problemas que afetam a agricultura, até à quebra unilateral das negociações pelo Governo, que, a meio do processo, arredou da mesa das negociações a CNA e os parceiros sociais da PARCA – Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar, para fechar um acordo ‘em directo’ com apenas dois representantes dos setores envolvidos”.

Pequenos agricultores foram “deixados de fora”

A CNA, informa ainda que, como sempre, “assumiu este processo com toda a responsabilidade, e, na semana passada, sentou-se à mesa de negociações com o Ministério da Agricultura”. E continua dizendo que “desde o primeiro momento fomos claros nas nossas reclamações e propostas, nomeadamente no que diz respeito ao funcionamento do mercado, manifestando total disponibilidade para discutir medidas. Lamentamos, por isso, que essa disponibilidade não se tenha verificado por parte do Governo”.

O Ministério da Agricultura comprometeu-se, segundo a CNA, a enviar-lhes os dados concretos da ajudas distribuídas em 2022 (que deixaram de fora muitos pequenos médios agricultores) e as propostas de novas medidas para 2023, “mas ainda hoje continuamos à espera desses documentos”.

“Até o Governo ter quebrado as negociações, ao limitar a assinatura do acordo a apenas duas entidades, a CNA apresentou propostas concretas para a regulação do mercado, para promover a justiça na distribuição de valor ao longo da cadeia agroalimentar, defender o rendimento dos agricultores e garantir uma alimentação acessível aos consumidores, medidas que temos reafirmado e tornado públicas”, pode ler-se também no comunicado daquela confederação.

CNA acusa Governo de falta de abertura à negociação

Entre as medidas propostas pela CNA estão, por exemplo, a regulação do mercado e dos preços, seja de produtos alimentares, seja de fatores de produção, a compra conjunta desses fatores de produção, a adoção de uma lei que proíba as vendas com prejuízos ao longo de toda a cadeia produtor-consumidor, a dinamização dos mercados locais ou a adoção de uma estratégia de compras públicas que valorize a produção local e sustentável.

A CNA informa que da parte do Governo não houve abertura à negociação de medidas concretas que pudessem pôr em causa a hegemonia da grande distribuição.

“Falámos, por exemplo, de uma proposta da CNA para isentar de IRS o subsídio de alimentação pago em dinheiro (atualmente 5,20€) para o mesmo limite aplicado ao cartão ou vale-refeição (8,32€). A proposta foi desde logo rejeitada, mostrando claramente de que lado está o Governo: incentiva o pagamento do subsídio em cartão, prejudicando o pequeno comércio e os agricultores que vendem em feiras e mercados, bem como a livre escolha dos consumidores, pois são maioritariamente as grandes cadeias de distribuição e alguns restaurantes que aceitam estes pagamentos”, prossegue aquela confederação.

“Preços justos” em toda a fileira e não apenas por seis meses

O pacto assinado pelo primeiro-ministro, CAP e APED, “para além de não responder às necessidades dos agricultores e de não garantir de forma cabal uma justa distribuição do valor ao longo de toda a fileira e assim garantir um preço acessível aos consumidores, incorpora ainda elementos de desconsideração pelos organismos oficialmente constituídos”, sublinham ainda os dirigentes da CNA, que exige ainda “preços justos” em toda a fileira, de forma permanente e não por apenas seis meses.

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