"Criptobanco" com ADN português quase duplicou depósitos em época de crise no setor: o que explica o sucesso?
Diogo Mónica e Nathan McCauley, fundadores da Anchorage
No meio de um furacão regulatório e reputacional destrutivo para o setor dos criptoativos, o Anchorage, “criptobanco” co-fundado pelo português Diogo Mónica, terá duplicado de um trimestre para o outro o montante total de ativos digitais que tem sob custódia. Na finança, é tudo uma questão de confiança. E nos ativos descentralizados a supervisão do Estado norte-americano parece ser um fator tranquilizador
No último ano, o crescimento da indústria dos criptoativos foi vítima de uma travagem a fundo - e que travagem. A mudança do contexto económico, com taxas de juro em subida acelerada, drenou a liquidez deste mercado e provocou falências de instituições relevantes no setor, como a criptofinanceira Celsius e a plataforma de compra e venda de criptoativos FTX. O ano de 2023 também não começou da melhor forma para as empresas que operam nesta área, com um dos grandes mercados “cripto”, os EUA, a bombardearem incumbentes como a Binance e a Coinbase com processos, investigações, e multas. Nenhum destes porta-aviões foi ao fundo, mas adivinha-se que esta batalha “cripto” seja prolongada.
Diogo Mónica, co-fundador e presidente da Anchorage Digital, escusou-se, em resposta enviada ao Expresso por email, a avançar com números mais concretos relativamente a montantes totais custodiados neste “criptobanco”, dizendo apenas que “desde o início de 2022 mais do que duplicámos o número de ativos digitais passíveis de serem suportados pela plataforma” e que “continuam dedicados a corresponder à procura dos clientes de acesso seguro e protegido aos principais ativos digitais”. Ou seja, a Anchorage dá a possibilidade aos clientes de custodiar mais tipos de criptoativos.
“Desde o início de 2022 mais do que duplicámos o número de ativos digitais passíveis de serem suportados pela plataforma”, adianta Diogo Mónica
A Anchorage, que tem apenas clientes institucionais (como, elenca, “protocolos “cripto”, gestores de ativos, consultores de investimento registados pela SEC [Securities and Exchange Commission, a reguladora dos mercados de valores mobiliários dos EUA] e fundos de capital de risco”), quer “dar aos maiores nomes institucionais a possibilidade de participar de forma segura na economia dos ativos digitais”, segundo Diogo Mónica.
A Anchorage oferece serviços de custódia - grosso modo, de armazenamento de criptoativos - para clientes institucionais, tendo lançado no ano passado um produto que remunera depósitos "cripto". A oferta não é diferente de empresas que foram ao charco no ano passado, como a Celsius, que disponibilizava serviços de custódia e remuneração de depósitos “cripto” através de staking. Então, tendo em conta o historial de uma indústria ainda tão recente, porquê esta confiança na Anchorage?
Segundo os especialistas ouvidos pelo Expresso, o selo de qualidade do Departamento do Tesouro norte-americano - a instituição que tutela um sistema financeiro que é uma bête noire que a criptoindústria quer derrubar - é relevante para esta confiança.
A Anchorage é a única empresa do setor “cripto” a ter uma licença bancária, tendo-lhe sido atribuída em 2021 pelo Office of the Comptroller of the Currency (OCC, Departamento da Controladoria da Moeda numa tradução literal, responsável pela supervisão dos bancos nos EUA, um organismo do Tesouro norte-americano). Esta licença vem com obrigações de reporte comuns à supervisão dos bancos tradicionais; e com a exigência de certos rácios de capital e de liquidez.
"O mercado está altamente nervoso e a parte mais importante [ o compliance. A Anchorage tem imediatamente a capacidade de aportar confiança aos investidores porque quando um setor se sente atacado, os interlocutores procuram refúgio", considera Rui Serapicos
Rui Serapicos, presidente da Aliança Portuguesa de Blockchain, começa por observar ao Expresso que “sempre que há crise, há beneficiários. A Anchorage não é a única.” Numa altura em que se procura um oásis, esta licença das autoridades norte-americanas parece ser o fator que tranquiliza os grandes clientes.
“O mercado está altamente nervoso e a parte mais importante [para os clientes] é o compliance. A Anchorage, sendo um banco que oferece custódia, tem imediatamente a capacidade de aportar confiança aos investidores porque quando um setor se sente atacado, os interlocutores procuram refúgio", constata Rui.
A licença atribuída pela OCC equipara a Anchorage a um banco tradicional, parte do sistema da Reserva Federal; mas não permite à empresa fazer mais do que custodiar ativos de outrem. Não pode fornecer crédito nem remunerar depósitos (pelo menos nos moldes da finança incumbente, já que remunera a manutenção de ativos na blockchain, produto conhecido no jargão “cripto” como staking); mas permitiu-lhe operar a nível nacional.
Este controlo mais apertado pelas autoridades é algo que acaba por dar garantias aos clientes, defende ao Expresso Hugo Volz Oliveira, porta-voz da Federação Portuguesa das Associações da Criptoeconomia (FACE). “A Anchorage não é uma empresa pública [cotada] mas acaba por ter outras obrigações que não as de reporte trimestral e acaba por estar sob forte vigilância tendo a licença bancária nos EUA”, diz. “Fica evidente, com esta quase duplicação de ativos sob custódia que estão a ser uma beneficiária líquida da crise generalizada que tem afetado os criptoativos neste bear market profundo, neste inverno assustador que esperamos que esteja a chegar ao fim”.
“O mercado dos criptoativos é muito competitivo e as falências dos últimos anos têm, em abstracto, permitido àqueles que resistem aumentar a sua quota de mercado simplesmente pelo facto de existirem. Mas são a única plataforma de criptoativos com licença bancária nos EUA. E isso é uma vantagem competitiva enorme para qualquer empresa do setor mas, em específico, para aquele que é o público-alvo da Anchorage, que é o mercado institucional, que tem aumentado a sua exposição a criptoativos”, acrescenta.
A recente confiança desse mesmo setor nos criptoativos tem vindo a impulsionar o preço de “moedas” como a Bitcoin e a Ether nos últimos meses. Um fundo como a BlackRock, com imenso poder de fogo financeiro, apresentou a sua proposta de comercialização de um exchange-traded fund (ETF) à SEC no início do mês de julho. Seguiram-se as gestoras de ativos e responsáveis por produtos de investimento Fidelity e Invesco, entre outras, nesse mesmo mês.
“Nos últimos meses com os vários anúncios de bancos que têm surgido a revelar que vão fazer grandes investimentos em “cripto”. A Blackrock, com a sua experiência enorme de ETF, está confiante de que vai finalmente conseguir a primeira aprovação do ETF de Bitcoin nos EUA”, explica Hugo.
"Esperamos que o sucesso da Anchorage permita dinamizar o ecossistema nacional sobretudo num ponto de vista de partilha de redes de contacto e de mentoria”, diz Hugo Volz Oliveira
A Anchorage, que despediu 20% do seu pessoal em março deste ano (meses depois de avançar ao Expresso que não tinha dispensas no horizonte), tem, segundo a Bloomberg, cerca de 100 profissionais a trabalhar em Portugal, quer remotos, quer nas instalações da empresa no Porto. Espera-se que continuidade desta operação por cá “tenha um papel dinamizador”, diz Hugo. "Esperamos que o sucesso da Anchorage permita dinamizar o ecossistema nacional sobretudo num ponto de vista de partilha de redes de contacto e de mentoria”.