Engenheira civil, Isabel Nicolau, conhecida da antiga presidente da TAP, foi contratada para diretora de eficiência e estabilidade sem ter sido entrevistada, e com uma remuneração 29% acima daquela que era auferida pelo seu antecessor, afastado por falta de competências para o cargo.
A informação, que levanta questões de eventual conflito de interesse, foi avançada pela deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, na Comissão Parlamentar de Inquérito, na audição de quarta-feira, 19 de abril, ao presidente da Comissão de Vencimento, Tiago Aires Mateus, que disse desconhecer a situação. A contratação de Isabel Nicolau foi noticiada em outubro de 2022.
“Recebemos um relatório sobre o potencial conflito de interesses da contratação de Isabel Nicolau como diretora de Eficiência e Estabilidade. O relatório diz que não havia nenhuma entrevista programada, que não havia sequer três candidatos”, avançou Mariana Mortágua, citando um relatório a que teve acesso. Esta informação contraria o que foi dito na altura pela companhia, que, por ocasião da saída do referido diretor, afirmou tratar-se de uma renúncia. Segundo o relatório citado pela deputada do BE, ao antecessor de Isabel Nicolau foi oferecido um cargo mais baixo, que este não aceitou.
O relatório revela, ainda, que Isabel Nicolau, que nas notícias que saíram em outubro de 2022 era apontada como mulher do treinador pessoal do marido de Christine Ourmières-Widener, foi ganhar 9.054 euros por mês, mais 29% do que o anterior diretor e mais 16% que outros diretores ganhavam no ano anterior. Ainda assim, dentro dos valores pagos à generalidade dos diretores, que se situava entre os sete mil e 10.500 euros.
A TAP rejeitou, então, o envolvimento de Christine Ourmières-Widener na contratação de Isabel Nicolau, apesar do “relacionamento pessoal recente”. “Contratámos, no início de outubro, uma nova diretora de processos, ‘real estate’ [imobiliário] e sustentabilidade, com mais de duas décadas de provas dadas a liderar equipas técnicas e comerciais em empresas de engenharia”, recorda a Lusa, citando uma nota enviada aos trabalhadores na ocasião. Isabel Nicolau não tinha experiência no setor da aviação.
Na altura, a TAP, salientou que o processo de seleção tinha sido "conduzido exclusivamente pela administradora do respetivo pelouro e pela diretora de Recursos Humanos", tendo sido entrevistados três candidatos para esta posição. Informação que o relatório divulgado por Mariana Mortágua não confirma.
Prémios de Pinto, Neves e Maximilian e relação com Atlantic Gateway questionados
Mariana Mortágua avançou que o ex-presidente da TAP, Fernando Pinto, e o ex-administrador norte-americano, Maximilian Urbahn, receberam um prémio de 2016, depois de ter havido uma decisão de não atribuir bónus naquele ano, em que tinha havido prejuízos.
“Em 2016, a comissão de vencimentos, da qual [Tiago Aires Mateus] não fazia parte, decidiu que não ia atribuir prémios à recentemente nomeada administração. Passados uns meses, esta decisão é revista e são estabelecidas metas já depois de conhecidos os resultados e são atribuídos dois prémios: 275.940 euros a Fernando Pinto e 206.955 euros a Max Urbahn”, afirmou a deputada.
Na altura, Tiago Aires Mateus era administrador não executivo da TAP, como o próprio confirmou, explicando que esteve no cargo entre 13 de novembro de 2015 e 30 de julho de 2017, mas garantindo que a atribuição destes prémios não passou por nenhuma reunião do conselho de administração em que tenha participado. Sublinhou, ainda, que não teve conhecimento de tal decisão.
Bruno Dias, deputado do PCP, trouxe também de novo para cima da mesa o pagamento, em serviços externos, de 4,3 milhões de euros aos administradores nomeados pela Atlantic Gateway, empresa através da qual David Neeleman e Humberto Pedrosa eram acionistas da TAP. Referia-se a David Pedrosa e Antonoaldo Neves, então presidente da comissão executiva. E defendeu ser uma via para tirar de forma camuflada dinheiro da companhia.
"A prestação de serviços celebrados entre a TAP e a AG, é uma porta aberta para retirada de fundos da TAP", considerou Bruno Dias. E admitiu mesmo que podemos estar perante fraude fiscal.
Tiago Aires Mateus afirmou desconhecer eventuais acordos e pagamentos feitos à Atlantic Gateway. "A Comissão de Vencimentos não tem competências para fazer a avaliação de contratos de prestação de serviços", nomeadamente de eventuais negócios com as partes relacionadas.
O deputado do PCP quer que a TAP envie uma listagem discriminada de todos os pagamentos feitos à Atlantic Gateway, com o respetivo fundamento, e outras empresas detidas pelos administradores privados, à data, bem como cópia e anexos de todos os contratos assinados e valores envolvidos. E não só, quer também que seja enviada pela Segurança Social informação sobre os pagamentos realizados nos anos de 2016 provenientes de rendimentos do trabalho na TAP ou na Atlantic Gateway dos administradores nomeados pela Gateway para a TAP.
Sobre a remuneração e prémios fixados no contrato de ex-CEO, Antonoaldo Neves, o presidente da Comissão de Vencimentos, esclareceu: "Tive conhecimento tangencial do acordo do engenheiro Antonoaldo Neves, porque era então jurista da Parpública e acompanhava em algumas matérias da TAP".
Tiago Aires Mateus esclareceu, em resposta ao deputado da Iniciativa Liberal, Bernardo Blanco, que a Parpublica não foi envolvida nas negociações do acordo de reconfiguração da privatização da TAP, iniciado em 2016, no governo de António Costa. A parte jurídica, esclareceu, foi feita por um advogado designado pelo primeiro-ministro, Diogo Lacerda Machado.
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