Sapatos 'made in' Portugal têm plano estratégico de 600 milhões de euros
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O novo plano de ação da indústria portuguesa de calçado prevê investimentos de 600 milhões para aumentar exportações em 50%. A APICCAPS chama-lhe ”choque estratégico" para uma década de crescimento
A indústria portuguesa de calçado estudou o mercado mundial para definir a estratégia da próxima década e dar números à sua ambição de crescimento. “Olhamos para o mundo, analisamos o nosso mercado alvo e o perfil do consumidor dos sapatos portugueses. Percebemos que o mercado não é assim tão grande, mas ainda temos muita margem para crescer”, diz ao Expresso Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da associação sectorial APICCAPS.
“Apenas 9% da população mundial tem especial apetência por comprar sapatos produzidos em Portugal, o que significa que estão em causa 700 milhões de pessoas num universo de 8 mil milhões”, concretiza. Considerando que o sector vende 80 milhões de pares de sapatos, “podemos pensar que já conquistámos 10% do nosso público alvo. Agora, falta chegar a todos os outros”, acrescenta.
Num sector habituado a estudar cuidadosamente tendências e o caminho a seguir para definir linhas orientadoras para as suas empresas, o sétimo plano estratégico, preparado para o horizonte de 2030, baliza o investimento a realizar para concretizar todos os objetivos previstos em 600 milhões de euros, 140 milhões dos quais estão já a avançar no âmbito do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência.
O trabalho, desenvolvido pelo CEGEA – Centro Estudos do Núcleo do Porto da Universidade Católica, liderado por Alberto Castro, estava pronto em 2020, mas não avançou devido à pandemia e acabou por sofrer algumas alterações de forma a responder às alterações de mercado, o que se reflete, por exemplo, na ideia da Academia Digital, uma das propostas que integram as 113 ações divididas em 24 pacotes de medidas definidos para 145 cidades alvo, 60% das quais concentradas nos EUA e Europa, de acordo com “uma análise cirúrgica e direcionada”.
Nas estimativas pesou, por exemplo, a convicção de que o mercado potencial do calçado português é constituído por consumidores que têm um rendimento igual ou superior à média do PIB per capita dos países da OCDE em 2020, ou seja, cerca de 38.500 dólares, adianta.
O modelo, afinado em função de estudos demográficos, padrões de consumo e tipologias de país, pretende levar o sector a exportar 3 mil milhões de euros em 2030, mais 50% do que o valor previsto para 2022 (1,9 a 2 mil milhões).
“Estamos a trabalhar numa conjuntura difícil, em que é muito arriscado fazer previsões, mas esta é a nossa meta e para já, em 2022, tudo indica que o exercício vai fechar com um registo recorde”, sublinha Paulo Gonçalves.
“Compromisso verde”
Em cima da mesa, a par da Academia Digital, estão coisas como um projeto âncora de empreendedorismo de marcas para levar os industriais a apostarem na marca própria, ou o “compromisso verde”, que deverá juntar uma centena de marcas de calçado num protocolo de sustentabilidade logo no início de 2023.
Outro ponto prevê a criação de um grupo de trabalho com instituições e 20 empresas que serão “cobaias” de uma experiência piloto para definir até onde é possível ir no que respeita à inclusão, seja de estrangeiros, mulheres ou pessoas com deficiência.
“Temos de nos distinguir com um pacto de coisas que inclui a inclusão e a responsabilidade social, a par da qualidade do produto, do preço justo, da produção sustentável”, adianta Paulo Gonçalves, confiante de que esta será a imagem que quem compra made in Portugal terá cada vez mais do país.
A ideia é, mais uma vez, afirmar a indústria lusa como “uma referência internacional no sector do calçado e reforçar as encomendas com criatividade, inovação, eficiência produtiva, tecnologia, gestão e valor acrescentado.
"Elemento integrador"
Com este “choque estratégico”, o setor prepara-se para mais uma década de crescimento, acredita o empresário e presidente da APICCAPS Luís Onofre. “Este plano é mais do que uma visão, é um compromisso do setor para aprofundar a sua competitividade a nível internacional e continuar a gerar valor para o nosso país”, sublinha.
Mas defende acima de tudo que esta base de trabalho seja um “elemento integrador”, com linhas de ação a concretizar coletivamente, mas dando também espaço para que cada empresa possa enquadrar a sua estratégia individual” .
Ao longo das últimas quatro décadas, com o suporte e a orientação dos planos estratégicos definidos pela APICCAPS, o sector conseguiu triplicar o emprego, quintuplicar a produção e multiplicar as exportações por 13.
O imperativo da qualificação
Quanto aos desafios, o diagnóstico também está feito: “São vários os fatores que elevam o clima de incerteza, como “a escassez de mão-de-obra qualificada, o aumento acentuado da inflação e seus reflexos na política monetária, a emergência de novos canais de distribuição, a afirmação de novos concorrentes, as alterações nas preferências dos consumidores ou a incerteza sobre a evolução do consumo”, recorda Luís Onofre.
Mais: o setor não poderá “excluir soluções de gestão da cadeia de valor internacional que permitam reforçar a competitividade”.“Dentro do esforço de progressão na cadeia de valor empreendido, terá de reforçar a aposta na criatividade e na marca para posicionar os seus produtos”, por ser esta “a solução que garante maior independência estratégica, sendo desejável que represente uma parcela crescente das exportações”, diz o presidente da APICCAPS, apontando a qualificação como “o grande imperativo”.
Constituído por 1500 empresas, responsáveis por cerca de 40 mil postos de trabalho, o setor de calçado exporta mais de 95% da sua produção para 172 países, nos cinco continentes. Até setembro, Portugal exportou 61 milhões de pares de calçado, no valor de 1537 milhões de euros, o que representa um crescimento de 22,5% face ao período homólogo do ano anterior.
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