Economia

Dos benefícios dos investidores aos casos mais polémicos: perguntas e respostas sobre os vistos gold

Dos benefícios dos investidores aos casos mais polémicos: perguntas e respostas sobre os vistos gold

Após 10 anos, o fim dos vistos gold pode estar à vista. Costa admitiu que o programa, que captou €6,5 mil milhões desde que foi criado, “provavelmente já cumpriu a função que tinha a cumprir”. Dos benefícios dos investidores milionários, aos casos mais polémicos e às críticas dos partidos — P&R sobre os vistos dourados

António Costa admitiu esta quarta-feira que o Governo está a avaliar o fim dos vistos dourados. “Há programas que nós estamos neste momento a reavaliar e um deles é o dos vistos gold que, provavelmente, já cumpriu a função que tinha a cumprir”, disse o primeiro-ministro na Web Summit.

A autorização de residência em Portugal para investidores milionários tem sido alvo de polémicas e de críticas ao longo dos anos, e há muito que o fim da “cidadania comprada” tem sido defendido pelos partidos de esquerda.

O regime dos vistos gold acarreta vários riscos: “O investimento e a colocação de património no estrangeiro pode servir para branquear capitais de origem corrupta ou criminosa, financiar crime organizado ou terrorismo de forma mais discreta ou fora do alcance das autoridades ou fugir aos impostos no país de origem”, como alerta a Transparência Internacional Portugal, uma organização sem fins lucrativos anticorrupção.

Que direitos têm os beneficiários?

A autorização de residência para atividade de investimento (ARI) é atribuída a cidadãos estrangeiros que não pertençam à União Europeia nem ao Espaço Schengen, em troca de captação de investimento, como a compra de bens imóveis de valores elevados, a transferência de capitais de altos montantes, ou a criação de pelo menos 10 postos de trabalho, por exemplo.

Os beneficiários dos vistos gold podem entrar em Portugal sem um visto de residência, morar e trabalhar cá, circular livremente pelo Espaço Schengen, beneficiar de reagrupamento familiar e ainda pedir nacionalidade portuguesa por naturalização, como detalha o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) na página dedicada à ARI.

Mas recentemente, no início do ano, entrou em vigor um novo regime (amplamente contornado) que proíbe a compra de imóveis residenciais nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e em certas regiões do Algarve, obrigando os cidadãos estrangeiros a procurar novas formas de obtenção de vistos gold. Consequentemente, e segundo o SEF, aumentaram os pedidos assentes no investimento em capital de risco.

Que casos ficaram mais polémicos?

Ao longo dos anos, vários casos com irregularidades ficaram conhecidos. Um dos mais recentes, noticiados pelo Expresso, é a atribuição dos 125 euros aos titulares milionários. O apoio criado pelo Governo, para mitigar os efeitos da inflação, foi dado erradamente a pelo menos mais de duas dezenas de cidadãos estrangeiros abrangidos pelo regime de autorização de residência para atividade de investimento.

Outro caso flagrante foi a concessão de passaportes dourados a oligarcas russos. De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Administração Interna, há em Portugal 431 cidadãos russos com vistos gold, dos quais pelo menos 21 gozam de residência permanente. Não é sabido quantos terão conseguido obter cidadania portuguesa.

A concessão destes vistos, entre outubro de 2012 e fevereiro de 2022, foi motivo de polémica. A autorização de residência para atividade de investimento no espaço europeu já estava a ser tratada no Parlamento e Comissão Europeia, mas ganhou um novo fôlego com a guerra na Ucrânia. Como consequência, desde fevereiro, a UE — e Portugal — suspendeu a atribuição dos vistos dourados a russos.

Outra irregularidade, também noticiada numa investigação do Expresso, envolveu duas venezuelanas que adquiriram um visto gold em Portugal, posteriormente acesso à nacionalidade portuguesa e o direito de circularem no Espaço Schengen. Os únicos vistos dourados concedidos a venezuelanos até 2014 foram obtidos com dinheiro teve origem em subornos recebidos pelos seus maridos.

O que dizem os partidos?

O fim dos vistos gold há muito que tem sido reivindicado pela esquerda, principalmente pelo Bloco de Esquerda, que considera este regime um fator de agravamento dos preços da habitação e fonte de problemas de justiça por suspeitas de lavagem de dinheiro.

O Parlamento chumbou várias vezes as propostas do BE, PCP e PAN para acabar com os vistos dourados, enquanto o Chega pediu, em junho, um alargamento das áreas de investimento, como a agricultura e a inovação.

Esta quarta-feira, após o anúncio de Costa, alguns partidos manifestaram-se. O PCP diz que quer acabar com a atribuição de vistos gold já no Orçamento do Estado para 2023, por considerar que o Governo tem “uma boa oportunidade” para a concretizar.

Também a coordenadora do BE, Catarina Martins, defendeu que se as palavras do primeiro-ministro “forem para levar a sério”, o PS deve aprovar a proposta dos bloquistas para acabar com este regime no âmbito do Orçamento do Estado.

Catarina Martins durante a votação do Orçamento do Estado 2023
NUNO BOTELHO

Da mesma forma, o PAN entregou esta quarta-feira uma proposta de alteração ao OE 2023 que prevê a revogação do regime de autorização de residência para atividade de investimento e a realização de um estudo para avaliar os impactos destas medidas.

Quanto já renderam os vistos gold?

O programa foi lançado em outubro de 2012 e desde então já foram captados mais de 6,5 mil milhões de euros — a grande maioria (cerca de €5,8 mil milhões) corresponde à compra de bens imóveis. A compra de imóveis para reabilitação urbana totaliza, em termos acumulados, 494 milhões de euros. Já o investimento resultante da transferência de capitais é de 677 milhões de euros, segundo dados do SEF.

Em termos de vistos atribuídos, já foram concedidos 10.322 para compra de imóveis (1382 para reabilitação urbana), 836 para transferência de capitais e 22 para criação de postos de trabalho.

Desde a criação deste instrumento foram atribuídas 11.180 ARI (926 só neste ano) e 18.368 autorizações de residência a familiares reagrupados.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: piquete@expresso.impresa.pt

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