Bloco, Livre e PAN desafiam Governo a aprovar fim dos "vistos gold"
PAN já entregou propostas. Livre receia que se trate de uma mera mudança de regimes de privilégio
Depois de António Costa ter praticamente anunciado o fim dos chamados “vistos gold”, o Bloco de Esquerda e o PAN não perderam tempo e já vieram a público desafiar o Governo a aprovar esta medida que ambos partidos defendem e que prometem recolocar à discussão e a votos no âmbito do Orçamento do Estado para 2023.
“Eu registo que o senhor primeiro-ministro todos os dias tem anunciado medidas que não pôs no Orçamento do Estado, mas eu queria sossegar o PS. O Bloco de Esquerda vai propor o fim dos 'vistos gold' neste Orçamento do Estado, como já fez em orçamentos do estado passados”, disse a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins aos jornalistas à margem da concentração de professores em frente à Assembleia da República, em Lisboa.
Na opinião da líder bloquista, “se as palavras do senhor primeiro-ministro forem para levar a sério, o PS tem uma boa opção que é aprovar a medida do BE para o fim dos 'vistos gold'”. Em causa estão as declarações desta manhã de António Costa de que o Governo está a avaliar o fim dos 'vistos gold'. O primeiro-ministro foi ainda mais longo de que o anuncio da avaliação. “O progra,, ‘vistos gold’, provavelmente já cumpriu a função que tinha a cumprir e neste momento não se justifica mais manter”, assumiu António Costa.
Defendendo que este regime é “não só uma forma de fazer do nosso país cúmplice de corrupção internacional” ou de “lavagem do dinheiro”, Catarina Martins referiu que este é também responsável pelo aumento dos preços da habitação em Portugal. “Registo também que o primeiro-ministro diz que terá novos incentivos a que pessoas com muito dinheiro do resto do mundo possam comprar casas em Portugal”, acrescentou.
Catarina Martins quer “um país aberto, em que todos são bem-vindos, mas em que as pessoas com salários ganhos em Portugal possam pagar uma casa”.
“O que o Governo está a anunciar é que vai continuar com regimes de privilégio para os muito ricos que vão continuar a fazer com que os preços das casas disparem e quem trabalha com um salário no nosso país continue a não ter esse direito básico à habitação. Não aceitamos uma troca de regimes de privilégio por outros regimes de privilégio”, avisou.
Em síntese, para a coordenadora do BE “acabar com os 'vistos gold' é uma ótima notícia, seja ela verdade e vote o PS a proposta do Bloco porque o Governo não propõe no orçamento acabar com os 'vistos gold'”.
Se o Bloco anuncia que vai levar o assunto ao debate orçamental, o PAN foi mais rápido e entregou já a proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2023 que prevê a revogação do regime dos "vistos gold" e a realização de um estudo para avaliar os impactos destas medidas.
“Já demos entrada hoje de uma proposta de alteração ao Orçamento que visa, por um lado, a revogação deste regime, e, por outro, a realização de um estudo para percebermos todo o impacto que existiu, quer económico, quer social, em torno deste programa”, anunciou a porta-voz e única deputada do partido, Inês Sousa Real.
Em declarações aos jornalistas, no Parlamento, Inês Sousa Real defendeu o fim deste regime de incentivo à atração de investidores através da autorização de residência em Portugal, e considerou que o anúncio do primeiro-ministro, que hoje disse que o Governo vai avaliar a continuidade deste regime, "a confirmar-se", é uma decisão que só "peca por tardia".
Sousa Real disse que o seu partido já tinha interpelado, “por diversas vezes”, o Governo sobre a necessidade de se fazer o levantamento dos impactos deste regime sociais e económicos, advertindo para a "desigualdade" que criou na atribuição de autorizações de residência em Portugal. Para a deputada única do PAN, é “relevante que, no decurso deste Orçamento do Estado, na especialidade, sejam aprovadas medidas neste mesmo sentido”.
Para exemplificar a importância de se estudar o impacto deste regime, Inês de Sousa Real abordou a notícia publicada na sexta-feira pelo jornal Expresso, segundo a qual haveria titulares de vistos ‘gold’ que estariam a receber os 125 euros de apoio extraordinário criado pelo Governo para mitigar a perda de poder de compra.
“Precisamos de perceber o que é que correu menos bem neste regime e que reposição é que pode ser feita ou não, tendo em conta o forte impacto que teve, quer turístico, quer ambiental, quer económico e, acima de tudo, na habitação, que é um direito fundamental no nosso país”, concluiu.
Pelo Livre, a palavra também é de oposição aos “visto gold”, mas Rui Tavares receia que se trate de uma mera substituição de regimes. O Livre defende que o regime de 'vistos gold' deveria ter terminado “há muito tempo”, mas alertou que o Governo pode estar a “corrigir um erro e a cometer outro”, referindo-se ao regime fiscal para “nómadas digitais”.
“O Livre considera que essa utilidade [dos vistos gold] era bastante perniciosa, ou seja, não era utilidade para o país, já há bastante tempo”, defendeu o deputado único do partido, Rui Tavares.
O historiador reagia aos jornalistas, no parlamento, às declarações do primeiro-ministro, António Costa, que hoje afirmou que o Governo está a avaliar a continuidade do regime de 'vistos gold' para obtenção de autorização de residência em Portugal, admitindo que poderá não se justificar mais a sua manutenção.
Tavares lembrou que o partido propôs a abolição deste regime, mas também, enquanto não fossem extintos, que “os procedimentos de investigação prévia aos pedidos de 'visto gold' fossem reforçados para que Portugal pudesse, na medida do possível, separar o trigo do joio em relação a atividades como o branqueamento de capitais, ou todas as questões relacionadas com criminalidade organizada ou fuga ao fisco, que muita gente associava aos vistos gold”.
“O que acontece é que através deste esquema tínhamos gente a aceder à nacionalidade depois de seis anos de vistos gold, numa forma que consistia numa compra diferida de nacionalidade. E nós achamos que a nacionalidade não se vende e, portanto, achamos que já era tempo de acabar com os 'vistos gold'”, defendeu.
No entanto, Rui Tavares deixou um alerta ao Governo relativamente ao regime de atratividade para os chamados “nómadas digitais” - jovens ligados às tecnologias, cuja vinda para o país poderá estar a agravar o preço da habitação nas principais cidades do país.“Esperamos que o Governo não esteja finalmente a corrigir um erro e a cometer um outro”, avisou.
Para o Livre, o país “tem a ganhar” com o facto de ser atrativo, mas reúne “condições e atratividade mais do que suficientes para as pessoas virem sem precisarem de benefícios fiscais”. Segundo o dirigente do partido, Portugal deve ajudar noutras matérias como “a morosidade administrativa”, “a relação com o Estado e o SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras]”.
“Se não cobramos os impostos devidos a estas pessoas, com que cara vamos olhar para quem tem dificuldade em arranjar casa em Lisboa, para os jovens universitários que não encontram quarto (…), e dizemos que não há dinheiro para acelerar a construção de residências universitárias ou pegar em quartéis, como o Livre defende, e transformá-los em residências universitárias”, sustentou.
Neste contexto, o Livre defende a atratividade do país e “abertura a quem traz capital humano” mas “sem benéficos fiscais, porque a maior parte dos portugueses também não os tem”, sublinhou Rui Tavares.
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