Em 2015, o deputado comunista Paulo Sá levou legos para uma comissão de Orçamento e Finanças para explicar como é que a Pàf tinha lançado um “brutal aumento de impostos” sobre as famílias. Esta segunda-feira, José Soeiro, do Bloco de Esquerda, pediu emprestadas as “mais modernas técnicas pedagógicas” ao seu antigo colega parlamentar, para fazer o mesmo exercício para as pensões. Mas, se há sete anos Maria Luis Albuquerque assistiu sorridente à representação, desta vez, Ana Mendes Godinho reagiu com desagrado: “Eu não brinco à sustentabilidade da Segurança Social, com legos. Não brinco e acho que ninguém devia brincar”, recriminou.
A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social estava esta segunda-feira no Parlamento para apresentar a proposta de Orçamento do Estado para 2023 e, como era expectável, a polémica formula para atualizar as pensões voltou a estar na berlinda. A oposição criticou o desdobramento dos aumentos em duas parcelas –até agora, a única medida estrutural do Governo é o corte nas pensões, ironizou Rui Cruz, do PSD – e sublinhou a perplexidade por, no espaço de um mês, as contas sobre a sustentabilidade da Segurança Social terem sofrido uma grande reviravolta. Rui Rocha e Carla Castro, da Iniciativa Liberal, questionaram insistentemente as razões para resultados tão dispares – “Foi um erro antes, foi um erro agora? Que alterações tão significativas ditam esta alteração?”, quiseram saber.
Ana Mendes Godinho foi sempre garantindo que o Governo utilizou os dados que, em cada momento, tinham sido feitas pelos técnicos do Gabinete de Estudos e Planeamento (GEP), e explicou que as simulações são suscetíveis à conjuntura. Fatores como o evolução do emprego e as estimativas de rentabilidade do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social podem ditar resultados diferentes – como veio a acontecer.
A polémica parecia controlada quando, já o debate ia longo, José Soeiro se socorreu de legos para explicar o que vai acontecer às pensões. No curto prazo, o “suplemento extraordinário” que os reformados receberam em outubro, somado ao aumento de 4,4% de que a generalidade vai beneficiar em janeiro, equivale ao aumento de 8% que aconteceria se a lei de atualização das pensões fosse suspensa. Mas, a médio prazo, se nada for feito, os reformados passarão a ter uma pensão inferior aquela a que teriam direito, ilustrou o deputado. Soeiro acusou ainda a ministra de ter agitado irresponsavelmente o papão da sustentabilidade da Segurança Social” quando, ainda há um mês, veio dizer que, se os pensionistas fossem aumentados de uma só vez, em janeiro de 2023, o défice do sistema seria acelerado e a almofada das pensões esgotar-se-ia 13 anos mais cedo. José Soeiro fala em “truques” e “aldrabice” nestas simulações, agora que as novas contas vêm mostrar que “seria possível cumprir a lei sem por em causa a sustentabilidade da Segurança Social “ .
Ana Mendes Godinho não gostou do brilharete e passou um raspanete ao deputado. De semblante carregado, respondeu que “eu não brinco com a sutentabilidade da Segurança Social, com legos. Não brinco e acho que ninguém devia brincar. Brincar com legos é, no mínimo, não ter noção da importância que a sustentabilidade da Segurança Social tem”.
A ministra recusou também responsabilidade nos dados que foram entregues em setembro ao Parlamento, e que agora são contrariados pelas novas simulações. “Eu nunca dei dados falsos. Os dados que dou sempre são os que estão disponíveis, [fornecidos] em cada momento pelos organismos que os fazem”. “Está a chamar falsos a estes pressupostos que são elaborados por técnicos que dedicam a sua vida para elaborar o sistema de transparência?”, questionou ainda. “Quando diz que eu minto, pense que está a dizer que é um gabinete de estudos que está a mentir. Peço que não chame nomes às pessoas“, disse a ministra.
José Soeiro encostou os legos para o lado, mas não os argumentos. “Eu confio nessas contas. Não pode é responsabilizar outros pelos seus argumentos”, ripostou.
530 mil estrangeiros a descontar para a Segurança Social
No debate, Ana Mendes Godinho sublinhou ainda que em 2023 o Orçamento da Segurança Social terá a maior “o maior investimento social de sempre”, ao destinar 32 mil milhões ás prestações sociais (um valor que compara com 23 mil milhões em 2015) e que regista crescimentos muito assinaláveis do lado da receita.
As receitas da Segurança Social representarão, no próximo ano, 16,4% do PIB, mais 2.7 pontos percentuais do que em 2011, comparou a ministra. “Fruto da evolução do emprego e contribuições sociais nos últimos anos”, na atualidade, a Segurança Social é também “instrumento poderoso de investimento social e de criação de riqueza”, sublinhou.
A provar o dinamismo do mercado de trabalho, e a boa evolução das contribuições sociais, Ana Mendes Godinho lembrou que este ano há mais 1.1 milhões de pessoas a fazer descontos para a Segurança Social, face a 2015, ultimo ano da Pàf, e que os emigrantes deram “um contributo extraordinário” para este salto.
Se em 2015 havia 110 mil estrangeiros a trabalhar em Portugal, e a fazer descontos, este ano o número já ascende a 530 mil. Ao todo, representam já 12% da força de trabalho.
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