Constâncio junta-se ao coro de críticas ao 'choque fiscal' britânico: “É extraordinário” que “a libra já não seja uma moeda significativa"
MANUEL DE ALMEIDA
Para Vítor Constâncio, desde o Brexit que o Reino Unido anda a “negar a realidade”, “como se fosse regressar à grandeza e aos dias do império”. A sensação de “eu avisei” sobre os riscos da saúda da União Europeia “é hoje dominante na Europa”, diz
A reação dos mercados cambial e obrigacionista ao plano fiscal do governo da primeira-ministra britânica, Liz Truss, e do ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, foi instantânea, com a desvalorização massiva da libra e das obrigações soberanas do Reino Unido. Já as reações de responsáveis políticos e monetários externos ao Reino Unido não foram tão imediatas, mas começaram a aparecer perante o caos, sem diferença entre antigos e incumbentes. Vítor Constâncio, antigo vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE) e antigo governador do Banco de Portugal, foi um deles.
“É extraordinário” que “a libra já não seja uma moeda significativa a nível internacional”, disse ao Financial Times.
“Desde o Brexit, o Reino Unido tem mostrado imensa hubris e tem negado a realidade, como se fosse regressar à grandeza e aos dias do império (…) é delirante e reforça o aviso que o Brexit representa, que afastar-se do centro europeu tem sido mau para o Reino Unido”, disse.
“Sim, há schadenfreude”, disse Constâncio ao jornal britânico, recorrendo à palavra alemã que descreve o conforto, e a aprendizagem, que se tira do sofrimento dos outros. “Não diria prazer, isso seria muito forte. Mas sim, a sensação de ‘eu avisei’ é hoje geral na Europa.”
O Financial Times nota, em artigo publicado nesta quinta-feira, 29 de setembro, que vários responsáveis da Europa continental com a pasta das Finanças já se manifestaram publicamente sobre o descalabro da última semana no Reino Unido. Como Bruno Le Maire, ministro das Finanças de França, que disse que a grande preocupação do Velho Continente não é Itália - que acabou de eleger um governo de extrema-direita - mas sim Londres, que, debaixo do chapéu europeu, “tem uma taxa de juro que salta acima dos 4%”, disse.
Na Alemanha, o ministro das Finanças, Christian Lindner, está a aproveitar este argumento para defender a manutenção do travão à dívida, que será reposto em 2023 depois de suspenso devido à pandemia da covid-19, recorda o jornal britânico. E descreveu o choque fiscal de Truss e de Kwarteng como uma “enorme experiência" na qual “o Estado põe o pé no acelerador ao mesmo tempo que o banco central carrega no travão”.
Em Espanha, o FT cita a vice-primeira-ministra, Nadia Calviño, que diz que cortes de impostos são a receita para "o desastre”, da forma como estão a ser apresentados no Reino Unido e propostos localmente pela oposição.
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