

É italiano, trabalha em Genebra e esta sexta-feira estará em Alqueva. Roberto Bocca, membro da comissão executiva do Fórum Económico Mundial, responsável pela área da energia, não esconde o entusiasmo pela energia solar flutuante, na qual Portugal está a dar os primeiros passos, mas tempera-o com uma perspetiva mais abrangente. Em matéria de transição energética e descarbonização, diz, “não há uma solução dourada”. O caminho será feito com um conjunto de soluções, aponta em conversa com o Expresso.
Roberto Bocca integra o Fórum Económico Mundial desde 2009, liderando o departamento de energia da organização que tem em Davos a sua face mais visível, juntando a elite económica e política global, ano após ano, para discutir os desafios do mundo. Em julho de 2018 o economista italiano passou a integrar a comissão executiva do Fórum, com o pelouro da energia, materiais e infraestruturas.
Esta sexta-feira passará por Alqueva, onde a EDP inaugura uma central solar flutuante. Os seus 12 mil painéis fotovoltaicos ocupam uma superfície de quatro hectares da albufeira de Alqueva e somam uma potência de 5 megawatts (MW), prevendo-se que produzam anualmente 7,5 gigawatt hora (GWh) de energia limpa, suficiente para cobrir o consumo de 1500 famílias.
Esta é a maior central solar flutuante em Portugal, seguindo-se a um projeto de demonstração que a EDP realizou na albufeira do Alto Rabagão. Será a antecâmara dos projetos de energia solar flutuante que o Governo pretende ver concretizados num conjunto de sete albufeiras, depois de um leilão que chegou a ter preços negativos.
O Governo estima que as condições asseguradas nesse leilão irão gerar aos consumidores de eletricidade benefícios de 114 milhões de euros ao longo dos 15 anos de tarifas garantidas às futuras centrais solares flutuantes.
Roberto Bocca falou ao Expresso antes da visita ao projeto da EDP no Alentejo. “Projetos como o de Alqueva respondem a vários desafios”, começa por afirmar, lembrando que a energia solar flutuante é mais uma forma de gerar eletricidade limpa, e, ao mesmo tempo, contribui para não ocupar áreas em terra firme que poderão ter outros usos.
Para o responsável do Fórum Económico Mundial, o recurso à energia solar flutuante é inevitável. “Temos a solução. Agora temos a responsabilidade de a fazer crescer”, defende.
Questionamos o especialista do Fórum Económico Mundial sobre qual o real contributo que as centrais solares flutuantes podem ter para a descarbonização, quando, ao seu lado, os parques eólicos offshore conseguem proporcionar volumes bem mais elevados de eletricidade verde.
Hoje já estão a ser desenvolvidos parques eólicos no mar que numa só torre poderão acomodar 15 megawatts (MW), ou mais, de potência, o triplo da capacidade que a EDP está a usar na central flutuante de Alqueva.
Roberto Bocca responde que “o petróleo não vai ser substituído só pelo vento offshore”. “Há várias soluções que são parte disto”, advoga. E acrescenta que “uma das questões centrais para a segurança energética é diversificar”. Lembra que “não se pode ter 100% de energia solar flutuante, nem 100% de eólica”.
Por isso, aponta o especialista do Fórum Económico Mundial, os países deverão apostar num conjunto de tecnologias e soluções, e não apenas numa só fonte de energia limpa.
Roberto Bocca também lembra que Portugal foi um dos países europeus que já se comprometeram com a neutralidade carbónica até 2050. Mas alerta: “os compromissos não interessam se não avançarmos já”.
O mesmo responsável é da opinião de que na transição energética “a colaboração é crítica”, devendo envolver os diversos agentes que nela podem participar, das empresas aos governos, passando pelas instituições académicas, entre outras entidades. “Se queremos fazer mais hidrogénio [verde] precisamos de trabalhar de forma diferente, com maior colaboração”, advoga.
Mas além dessa colaboração as autoridades políticas devem ter em conta um conjunto de outros objetivos, defende Roberto Bocca. O economista diz ser “fundamental” dar um sinal de procura a quem atua no setor, comunicar com clareza e promover uma etiquetagem clara, para que possamos saber, com alguma precisão, de onde veio determinado produto e que pegada carbónica tem.
“Quando compro pneus pago uma taxa pela reciclagem desses pneus no seu fim de vida, mas isso não acontece com todos os produtos”, lamenta Roberto Bocca. E quanto ao fim das vendas de carros com motores de combustão em 2035? “Ter um prazo é muito importante, porque dá previsibilidade”, observa.
Nesse domínio como noutros da política energética, o italiano considera que deve haver sinais claros dos governos em prol da descarbonização, que levem o mercado a atuar nesse mesmo sentido.
Alqueva em perspetiva
A inauguração da central solar flutuante de Alqueva é um marco histórico no desenvolvimento desta solução renovável em Portugal. A pequena central de demonstração do Alto Rabagão, com 840 painéis fotovoltaicos e uma potência de 220 kilowatts (kW), serviu para a EDP testar (e estudar) o funcionamento da tecnologia solar flutuante. A central agora inaugurada em Alqueva traz uma potência bem maior, de 5 MW.
Alqueva será para já a maior central do género em Portugal, mas não a maior na Europa. Esse título pertencia, desde 2016, ao projeto Queen Elizabeth II, uma central fotovoltaica flutuante da Lightsource BP com 6,3 MW de potência, instalada perto de Londres. Mas nos últimos anos vários projetos de dimensão ainda maior têm sido inaugurados na Europa. Em 2021 o grupo Baywa.re anunciou a abertura de uma central flutuante de 41,1 MW na Holanda, apontada como a maior da Europa.
Ainda assim, o projeto de Alqueva permitirá à EDP ganhar experiência neste tipo de projetos, conhecendo melhor quais os desafios de manutenção destas estruturas, quais os seus limites operacionais e que volumes de energia conseguem gerar.
Essa experiência será relevante até porque no leilão de energia solar flutuante que o Governo realizou este ano a EDP assegurou, num dos lotes, o direito a instalar mais 70 MW de capacidade solar flutuante, igualmente em Alqueva.
A EDP irá complementar esses 70 MW no espelho de água com outros 14 MW fotovoltaicos em terra e ainda com 70 MW de capacidade eólica.
A vitória da EDP no maior lote do leilão ficou marcada pela oferta de preços negativos: a EDP terá de oferecer ao sistema elétrico nacional durante 15 anos um valor de 4 euros por cada megawatt hora (MWh) que venha a produzir na central solar flutuante. E tentará nos outros 14 MW solares em terra e nos 70 MW eólicos, que serão operados em mercado, faturar o suficiente na venda da energia para compensar os preços negativos da central flutuante.
Lembrando que a tecnologia solar flutuante já está a ser testada em larga escala em vários mercados, como a China, Roberto Bocca defende que “estas soluções já são viáveis”, em termos de custos. Falta agora dar-lhes escala e, literalmente, um lugar ao sol. Que é o que não faltará esta sexta-feira, na inauguração do projeto em Alqueva.
Notícia atualizada a 16/07/2022, com mais informação, indicando que a maior central solar flutuante da Europa está na Holanda.
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