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Novo Banco vendeu pechinchas com (muitas) perdas, compradores revenderam com (muitos) ganhos

Novo Banco vendeu pechinchas com (muitas) perdas, compradores revenderam com (muitos) ganhos
TIAGO MIRANDA

Tribunal de Contas foi ao Fisco pedir dados sobre a venda de grandes carteiras de imóveis do Novo Banco. Houve alienações logo um dia após os imóveis irem para os compradores. TdC tem receios idênticos à comissão parlamentar do banco sobre quem está por detrás da compra. Gestão de Ramalho diz que TdC não sabe avaliar

Novo Banco vendeu pechinchas com (muitas) perdas, compradores revenderam com (muitos) ganhos

Diogo Cavaleiro

Jornalista

Facto antigo: o Novo Banco vendeu imóveis com perdas, já que os valores de venda foram inferiores aos valores registados no balanço no banco, mesmo após o reconhecimento antecipado de prejuízos através da constituição de imparidades.

Facto novo: houve ativos comprados por terceiros ao Novo Banco que já foram revendidos (alguns no dia a seguir à transação). E, nessas operações, os compradores obtiveram mais-valias. E generosas.

Esta é uma das conclusões retiradas pelo Tribunal de Contas na sua segunda auditoria ao Novo Banco, que foi divulgada esta terça-feira, 12 de julho, em que são atiradas farpas à gestão do banco, mas também ao Governo de António Costa e ao Banco de Portugal, e que motivam fortes respostas do supervisor e do Fundo de Resolução.

Vendas em grupo foram o melhor?

“Em 2018 e 2019, o NB vendeu ativos com desconto de 75% face ao valor nominal ou valor contabilístico bruto e de 33% face ao valor contabilístico líquido de imparidades”, indica o Tribunal de Contas, acrescentando que “não foi demonstrado que a estratégia de redução de ativos através de vendas em carteira fosse eficaz e eficiente na prossecução do princípio da minimização das perdas/maximização do valor dos ativos”.

O banco defende que os processos foram todos feitos segundo as regras concursais e que foi o melhor preço de mercado.

É certo que a gestão de António Ramalho foi conseguindo cumprir as metas definidas no plano de reestruturação desenhado com a Comissão Europeia no que diz respeito à diminuição de ativos considerados problemáticos. Porém, o caminho é criticado pelo TdC.

Além disso, adianta a entidade sob o comando de José Tavares, “nas revendas realizadas, os compradores do património imobiliário, incluído em duas carteiras, obtiveram mais-valias iguais ou superiores a 60%”.

No caso das carteiras de imobiliário, a Viriato, que tinha sido vendida em 2018, houve imóveis ali incluídos revendidos com um ganho de 64% no espaço de 1,4 anos; na Sertorius, aconteceu o mesmo com um ganho de 60% em um ano. Os dados foram obtidos pelo TdC através da Autoridade Tributária e Aduaneira.

O Novo Banco defende, no seu contraditório, que estão em causa carteiras, e que por isso são aqueles que estão em mais boa situação os primeiros que são depois alienados.

Na operação Viriato, houve ativos vendidos no dia imediatamente a seguir ao da compra ao Novo Banco e até aí o saldo foi positivo para o comprador. Neste caso, o banco respondeu em sede de contraditório que uma operação de venda da carteira de ativos estende-se por vários meses e que nesse intermédio o comprador pode já ir fazendo negócios.

Esperar dava ganho de 29 milhões

O TdC faz uma análise ao que teria custado manter os ativos em carteira e depois aliená-los com menor pressão de calendário e separadamente.

“Considerando os custos anuais com a manutenção do património imobiliário no balanço do Novo Banco, 17,5 milhões de euros (Viriato) e 4,5 milhões (Sertorius), o Novo Banco teria ganho um ano após a operação de venda, 29 milhões de euros, com processos de venda granular”, calcula a entidade – números contestados pela gestão de António Ramalho que considera impossível de confirmar.

Na sua resposta, o Fundo de Resolução defende que o FdR "classifica como fragilidades certas práticas que são generalizadamente utilizadas no mercado europeu", argumentando, tal como o Banco de Portugal, que esperar iria colocar em causa o cumprimento das metas definidas pelo Banco Central Europeu.

Todos mal com seguradora GNB Vida

No caso da seguradora GNB Vida, o TdC ataca as várias partes envolvendo o negócio, até inclusive o Governo, já que esta custou mais de 300 milhões de euros ao banco da Lone Star.

Houve “atos e omissões das entidades responsáveis pela definição estratégica da seguradora e pela realização do processo de venda (Governo, Banco de Portugal, Fundo de Resolução e gestores do Novo Banco), designadamente da indefinição quanto ao futuro da seguradora, da morosidade da realização dos processos de venda do NB e da GNB Vida, da indefinição dos planos de negócio da seguradora, de falhas de mercado não minimizadas e da negociação de um mecanismo de ajustamento de preço que, num primeiro momento, conduziu à redução do preço para 81 milhões”.

Beneficiários últimos por conhecer

Nas transações que realizou, o Novo Banco não foi além da lei de branqueamento de capitais na análise de quem são os detentores dos fundos compradores: quando ninguém é dono de mais de 25% do capital, são os gestores do fundo que assumem o papel de beneficiários efetivos.

“Não tendo implementado critérios mais rigorosos o controlo dos beneficiários efetivos do que os legais, para efeitos de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, mantém-se o risco de, nessa situação, o Novo Banco estabelecer relações com organismos de investimento coletivo ou entidades societárias, cujos detentores de capital sejam também detentores, diretos ou indiretos, do capital de entidades do Grupo Lone Star, apesar do apoio público e do dever de transparência a que, enquanto beneficiário desse apoio, está obrigado”, conclui o TdC.

Comissão de inquérito ao Novo Banco
Antonio Pedro Ferreira

Não é muito diferente daquela que foi a conclusão da comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco, num relatório ao qual só o PS votou contra. “As insuficientes explicações de diversos depoentes sobre os reais beneficiários últimos destas vendas de ativos, com registo de perdas suportadas pelos portugueses, não nos permitem excluir a possibilidade de ter havido vendas a partes relacionadas”.

O acordo de venda à Lone Star impedia que houvesse vendas a entidades ligadas à Lone Star e nunca se excluiu a hipótese de haver investidores dos dois lados das transações. O FdR argumenta "que estão em causa entidades muito ativas no mercado europeu, das quais não se conhece que sejam partes relacionadas com a Lone Star".

Novo Banco respondeu lentamente e de forma incompleta

Na auditoria que o Tribunal de Contas fez ao Novo Banco, houve várias condicionantes e uma delas é o comportamento da gestão liderada por António Ramalho. As respostas demoraram a chegar, e os pedidos vieram incompletos na volta do correio. Um cenário que o banco nega.

Mário Cruz/Lusa

Segundo o relatório de auditoria , a informação pretendida pela entidade de fiscalização foi obtida com “limitações”. A prestação de informação foi feita de forma “incompleta e intempestiva” – obrigando a “necessidade recorrente de insistência, esclarecimento ou obtenção através de outras fontes”.

O Novo Banco classificou como ilegítima a auditoria do TdC, considera que ela extravasa as competências do tribunal sobre a instituição financeira, e alegou de forma “frequente” que a informação solicitada não se inseria no âmbito da auditoria “por não se reportar a ativos abrangidos” no sistema de garantia criado pelo Fundo de Resolução aquando da venda à Lone Star, o chamado mecanismo de capital contingente, através do qual o banco podia solicitar 3,89 mil milhões de euros – e já esgotou 3,4 mil milhões.

Porém, o Tribunal de Contas volta a usar um argumento de que já fez uso no primeiro relatório: “O financiamento público tem vindo a pagar o défice de capital resultante da atividade geral do Novo Banco e não apenas das perdas verificadas nos ativos do mecanismo de capital contingente, pelo que qualquer ato de gestão do Novo Banco é suscetível de exame pela auditoria”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt

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