Economia

Novo Banco, Governo e BdP não salvaguardaram interesse público. Tribunal de Contas avisa que contribuintes podem pagar mais €1,6 mil milhões

Novo Banco, Governo e BdP não salvaguardaram interesse público. Tribunal de Contas avisa que contribuintes podem pagar mais €1,6 mil milhões

Auditoria do Tribunal de Contas aponta o dedo à gestão do ex-BES por não ter minimizado recurso aos dinheiros públicos. Governo e Banco de Portugal são visados pela mesma razão. Entidade liderada por José Tavares sublinha que Bruxelas ainda não deu reestruturação por terminada e que pode ser estendida

Novo Banco, Governo e BdP não salvaguardaram interesse público. Tribunal de Contas avisa que contribuintes podem pagar mais €1,6 mil milhões

Diogo Cavaleiro

Jornalista

Novo Banco, Governo e BdP não salvaguardaram interesse público. Tribunal de Contas avisa que contribuintes podem pagar mais €1,6 mil milhões

Isabel Vicente

Jornalista

A auditoria do Tribunal de Contas à gestão do Novo Banco, liderada por António Ramalho, concluiu que esta "não salvaguardou o interesse público, por não ter sido otimizado (minimizado) o recurso a esse financiamento". A conclusão da auditoria foi anunciada esta terça-feira, 12 de julho, e deixa igualmente fortes críticas à atuação do Governo, do Banco de Portugal e do Fundo de Resolução no período de vida do banco, incluindo desde a sua venda, em 2017.

A auditoria que serviu para avaliar a gestão do Novo Banco diz que "a utilização do mecanismo (de capital contingente) revela a incapacidade do NB (ou não ter o propósito) de gerar com a sua atividade níveis de capital adequados à cobertura dos seus riscos". Precisou sempre de capital externo e público. O Tribunal liderado por José Tavares considera que as partes envolvidas não minimizaram o uso de dinheiros públicos.

José Tavares, presidente do Tribunal de Contas
Mário Cruz/Lusa

Mas o tribunal não fica por aqui e aponta também o dedo ao Banco de Portugal e ao Estado, mesmo antes da venda de 75% do capital ao fundo norte-americano Lone Star.

Há críticas ao Banco de Portugal de Carlos Costa de 2014, ano da resolução do Novo Banco. O supervisor expurgou os ativos considerados tóxicos para o BES “mau”, e depois houve constituição de provisões, mas, mesmo assim, havia “deficiências importantes” no Novo Banco. E os problemas continuaram. Em 2017, "à data da venda do NB, a avaliação e valorização dos ativos registados no balanço não eram adequadas e exigiam a constituição de provisões para potenciais perdas".

“Face à dimensão das potenciais perdas, já previsível à data da conclusão da venda, e à necessidade de constituir provisões para as cobrir, nem o Governo, nos compromissos assumidos pelo Estado perante a Comissão Europeia, nem o Banco de Portugal, na negociação do mecanismo de capital contingente, salvaguardaram a minimização do recurso a apoio financeiro público, através da intervenção do Fundo de Resolução”, continua o documento. São críticas dirigidas diretamente a António Costa e Mário Centeno (à data ministro das Finanças), que deram a cara pelo acordo de venda da parte do Governo, e a Carlos Costa e Luís Máximo dos Santos, rostos do Banco de Portugal e do Fundo de Resolução.

José Carlos Carvalho

TdC vê risco sobre rede de 1,6 mil milhões

A entidade presidida por José Tavares lembra que em 2017 foi criado o mecanismo de capital contingente, para cobrir os ativos tóxicos do Novo Banco, e que até ao fim de 2021 o banco absorveu 3,4 mil milhões de euros, quando o montante permitido ascendia a 3,9 mil milhões de euros. Um valor que pode ser ainda absorvido dependendo dos conflitos nos tribunais arbitrais entre o Novo Banco e o Fundo de Resolução.

Entre as conclusões pode ainda ler-se que o Tribunal de Contas considera que "subsiste o risco do período de reestruturação se prolongar para além da data prevista", ou seja, para lá 31 de dezembro de 2021. Isto porque "o NB não atingiu os níveis de rendibilidade estabelecidos para o efeito e a Comissão Europeia ainda não se pronunciou sobre o fim desse período". As metas que não foram cumpridas são as de rendimentos pré-provisões e do rácio que compara custos operacionais e produto bancário. Bruxelas tem-se recusado a fazer comentários adicionais quando questionada pelo Expresso sobre o assunto.

Além disso, o Tribunal de Contas alerta para um facto sempre afastado pela gestão de António Ramalho, que vai sair da liderança no final deste mês, mas que está no contrato: "O risco de acionamento do mecanismo de capital adicional (capital backstop), até 1,6 mil milhões de euros, previsto nos compromissos assumidos pelo Estado Português para assegurar a viabilidade do Novo Banco, o que os impactos adversos da pandemia e do conflito militar na Ucrânia tendem a agravar". Como Bruxelas ainda não deu por concluído o plano, a entidade de fiscalização acredita que esta rede ainda está em cima da mesa. Além da gestão, também o Governo e o Banco de Portugal têm sublinhado a sua desnecessidade.

Também a Comissão Europeia é criticada pelo Tribunal de Contas por ter travado maior poder do Fundo de Resolução para impedir subjetividade na gestão do banco. Bruxelas, liderada no campo das ajudas de Estado pela comissária Margreth Vestager, é visada porque “a não intervenção do Fundo de Resolução na constituição de provisões para perdas foi especialmente valorada pela Comissão Europeia, para não se opor à venda do Novo Banco”. O Fundo foi impedido de ter administradores no Novo Banco pela Comissão Europeia.

José Carlos Carvalho

Conflitos de interesse

O Tribunal de Contas nesta auditoria debruçou-se sobre os termos solicitados pelo Parlamento no que diz respeito a minimizar o recurso ao financiamento público através de uma gestão adequada - avaliação e valorização dos ativos - e ainda sobre se a gestão do banco tratou adequadamente o reconhecimento de perdas por imparidades, se a venda dos ativos foi feita sem prejudicar o balanço do banco e se não houve conflitos de interesse e inexistência de práticas destinadas a acionar o mecanismo de capital contingente, tendo também presente se houve um eficaz controlo público recomendado pelo Tribunal na auditoria que olhou para o financiamento do banco e publicada em 2021.

Sobre estas matérias o Tribunal de Contas refere que foram identificados "riscos de conflito de interesse e potenciais impedimentos" e "práticas que, sendo evitáveis pela gestão do NB, oneraram o financiamento público".

Mais: a entidade liderada por José Tavares refere ainda que após um ano, "ainda não foi acatado o recomendado no Relatório 7/2021 sobre demonstração e validação do valor a financiar, comunicação da imputação de responsabilidades, segregação de funções e riscos de complacência ou de conflito de interesses". Um recado ao Novo Banco no sentido de este cumprir as recomendações do tribunal.

207 processos nos tribunais arriscam contas públicas

O Ministério das Finanças, o Banco de Portugal e o Fundo de Resolução têm, ao todo, 207 processos judiciais decorrentes da resolução do BES que irão traduzir "responsabilidades contingentes associadas ao risco de encargos para as finanças públicas", adianta o Tribunal de Contas sublinhando que estas ações podem ter impactos adversos que estão por apurar e sobre os quais não há montante apurado nem decisão definitiva.

De acordo com a informação recolhida juntos destas três autoridades pelo Tribunal de Contas, "o Estado português é demandado em 50 processos e contrainteressado em 2"; o Fundo de Resolução tem 57 processos e é contrainteressado em 32" e o "Banco de Portugal "é demandado em 122 processos judiciais".

Novo Banco nasceu em 2014 dos despojos do BES
Dominik Bindl/Getty Images

Segunda auditoria

Este é o segundo relatório de auditoria do Tribunal de Contas sobre o Novo Banco, que se foca na gestão do banco para perceber se ela utilizou o financiamento público recebido salvaguardando o interesse público. Uma auditoria que vem na sequência do pedido da comissão de inquérito, que terminou já no ano passado.

O primeiro relatório debruçava-se sobre o financiamento, isto é, as verbas que foram utilizadas na resolução do banco e na sua posterior venda aos americanos da Lone Star, concluindo que todos os políticos que fizeram declarações sobre a ausência de dinheiros dos contribuintes nas operações não foram claros: houve mesmo uso de dinheiros públicos porque o Fundo de Resolução integra a esfera estatal e tudo o que passa por lá tem impacto; além disso, as injeções de capital visaram cobrir perdas geradas pelos ativos de todo o banco e não apenas os ativos que estavam na carteira tóxica, como defendido publicamente.

A nova auditoria do Tribunal de Contas é divulgada a dias de António Ramalho abandonar a presidência executiva do Novo Banco, deixando o cargo para Mark Bourke a partir de agosto, e depois de ter sido tornada pública a versão não confidencial de outra auditoria, desta feita da autoria da Deloitte, que analisa as razões para a capitalização pelo Fundo de Resolução em 2020: que concluiu que a venda da sucursal espanhola foi uma decisão de gestão sem racional e que não há no Novo Banco capacidade de procurar todo o património de devedores em falta.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt

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