O que é o interesse público? Banco de Portugal diz que Tribunal de Contas só olha para o dinheiro na análise ao Novo Banco
Apresentação de resultados do Banco de Portugal pelo governador Mário Centeno.
Foto Ana Baião
Ana Baiao
Critérios como a estabilidade financeira não foram tidos em conta pelo TdC na auditoria ao Novo Banco, acusa o Banco de Portugal. Fundo de Resolução ataca Tribunal por ter criticado sem fazer cálculos alternativos
Há uma diferença de opinião sobre o que é “interesse público” entre o Tribunal de Contas e o Banco de Portugal/Fundo de Resolução e como é que ele foi utilizado em torno do Novo Banco. O Tribunal defende que ele não foi respeitado nem pela gestão do banco, nem pelo supervisor por não ter havido minimização do uso de dinheiros estatais; já o Banco de Portugal contesta e diz que a avaliação feita pela equipa de José Tavares só olha para os dinheiros e não para outros benefícios, como a estabilidade financeira.
“O Tribunal de Contas avalia a salvaguarda do interesse público exclusivamente com base no critério de minimização do uso dos recursos do Fundo de Resolução e não com base nos diversos critérios que, nos termos da lei, concorrem para o interesse público”, refere o Banco de Portugal no comunicado publicado uma hora e meia depois de divulgada a auditoria por parte do TdC, esta terça-feira, 12 de julho.
Para o supervisor presidido por Mário Centeno (que à data da venda do Novo Banco era o ministro das Finanças), esses outros critérios passam, por exemplo, pela preservação da estabilidade financeira e a proteção da confiança dos depositantes, bem como pela proteção do erário público “ao serem afastados os cenários de liquidação”. Ao fechar essa análise, a auditoria incorre "num risco de enviesamento que contradiz frontalmente todo o esforço coletivo que conduziu à criação e à aplicação do regime jurídico da resolução bancária".
A autoridade bancária contesta que não tenha havido minimização da utilização das verbas públicas, como conclui o TdC, dizendo que os mecanismos criados permitiram essa redução efetivamente (“infelizmente, estes dados factuais não são devidamente considerados na análise que levou o Tribunal de Contas a concluir que o recurso ao Fundo de Resolução não foi minimizado”, lamenta o comunicado).
Um dos exemplos dados para essa posição é que as perdas dos créditos, imóveis e outros ativos tóxicos registadas na carteira do Novo Banco totalizaram, até ao fim de 2021, 4,4 mil milhões de euros e que só foram injetados pelo Fundo de Resolução 3,4 mil milhões de euros.
Além disso, o Banco de Portugal diz que o TdC falhou na análise ao contexto de atuação do Novo Banco: “O reforço da solvabilidade e a redução do risco do balanço das instituições de crédito foram dois objetivos centrais definidos no plano da União Europeia no período analisado pela auditoria”. “O hipotético incumprimento daqueles objetivos comportaria o risco de contágio ao sistema financeiro português, como sucedeu em momentos anteriores e presentes na memória de todos os portugueses”, continua.
Máximo dos Santos, presidente do Fundo de Resolução
António Pedro Ferreira
Não há cenário alternativo
Num outro comunicado, o Fundo de Resolução, que funciona junto do supervisor e é presidido pelo vice-governador, Luís Máximo dos Santos, também ataca o TdC.
“Apesar de ter por objetivo avaliar se o recurso ao financiamento pelo Fundo de Resolução foi minimizado, a auditoria do Tribunal de Contas não apresenta ou quantifica qualquer cenário alternativo em que, dadas as circunstâncias concretas, aquele financiamento pudesse ter sido menor. E nem sequer foi considerado na auditoria que, pelo contrário, como abaixo se deixa evidenciado, não fora a ação do Fundo de Resolução, e os montantes pagos por este poderiam ter sido significativamente maiores”, opina o veículo que já pagou 3,4 mil milhões de euros ao Novo Banco desde a sua venda à Lone Star e que pode ser chamado a colocar mais 485 milhões de euros até esgotar esse mecanismo – há ainda uma rede de 1,6 mil milhões de euros que o TdC não exclui que possa ser usado, embora todas as partes indiquem que não será necessário.
O Fundo considera que há vários aspetos que mostram uma efetiva atuação para que o Novo Banco não ficasse com todo o dinheiro que pretendia ou para travar operações de ativos. “Estes factos – e vários outros de natureza relevante – não foram devidamente considerados na análise”, ataca.
Para o Fundo, quando a auditoria refere que não foi minimizado o recurso ao financiamento público, incorre “num conjunto relevante de incorreções factuais, desconsideração de elementos de análise centrais, fragilidades metodológicas e imprecisões determinantes de exegese da informação disponibilizada”, como sejam, “quando classifica como fragilidades certas práticas que são generalizadamente utilizadas no mercado europeu, tais como a realização de processos de venda em carteiras com convite a um número muito alargado de investidores, mas sem um concurso público”.
Estas entidades já tinham enviado o contraditório para o TdC, mas quiseram fazer comentários adicionais nestes comunicados. Segundo o contraditório do Fundo de Resolução, a auditoria do Tribunal de Contas à gestão do Novo Banco “abrange sobretudo a atuação” do Banco de Portugal, do Fundo de Resolução e do Governo, como “se constata pelo facto de não ter sido dirigida nenhuma recomendação ao Novo Banco”.
O Novo Banco também respondeu ao contraditório enquanto a auditoria decorria, mas não fez nenhum comunicado em reação à sua divulgação.