
Nos ambientes virtuais do metaverso, há interações sociais e sentimento de presença. Mas ainda faltam desafios técnicos em torno da identidade. E também já há casos de suspeita de corrupção
Nos ambientes virtuais do metaverso, há interações sociais e sentimento de presença. Mas ainda faltam desafios técnicos em torno da identidade. E também já há casos de suspeita de corrupção
O gráfico não deixa dúvidas: há uma primeira curva ascendente que surge bem acentuada para ilustrar a expectativa do público em relação a uma nova tecnologia, e, logo de seguida, há uma curva acentuada descendente que reflete a desilusão da mesma população quando as tecnologias começam a estrear.
O gráfico aplica-se a todas as tecnologias, mas Charles Fink, colunista da Forbes e entendido na matéria, voltou a mostrá-lo para descrever o futuro do metaverso no palco do Business Digital Congress, da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Telecomunicações (APDC), que decorre em Lisboa quarta e quinta-feira.
“Diria que vai levar 10 anos até termos um metaverso consolidado”, previu o especialista durante a palestra que deu no Congresso organizado pela APDC.
Charles Fink, que é o autor do livro Charles Fink’s Metaverse (2017), pode parecer pessimista tendo em conta a valorização mediática atual do metaverso, mas o gráfico que usou para ilustrar a curva de adoção das tecnologias também ajuda a perceber o que está em causa: depois da fase de desilusão, o público começa a usar as novas ferramentas e acaba por incorporá-las no dia-a-dia, à medida que vão evoluindo. E é precisamente a evolução tecnológica que ainda poderá demorar mais algum tempo até que múltiplos metaversos surjam por essa Internet fora.
Charles Fink recorda que ainda falta uma verdadeira camada tecnológica ao metaverso, que garanta a interoperabilidade de avatares, artefactos digitais, dados e criptomoedas entre diferentes "mundos" virtuais.
Apesar do desafio tecnológico e de alguma renitência que possa haver entre consumidores, as oportunidades existem. Fink recorda as estimativas que apontam para mais 1000 mundos do metaverso e mais de 300 milhões de óculos de realidade virtual, que permitem “viajar” em ambientes imersivos sem sair do lugar, para depois de 2030.
O especialista chega mesmo a admitir que só deveremos poder dizer que o metaverso se impôs no mercado, quando as pessoas deixarem de usar apps e videojogos. Mas também admite a capacidade desta nova vaga tecnológica para transformar outras indústrias: “Os produtores de filmes vão tornar-se criadores de mundos”, atira, sem deixar de lembrar que é necessário criar regulação.
“Também há corrupção (no metaverso)”, denuncia o especialista, lembrando os casos em que os criadores destes mundos virtuais que são populados de avatares e de artefactos digitais reservam para amigos ou conhecidos parte dos terrenos virtuais que vão licitar ao público.
Charles Fink também não tem dúvidas de que há uma lacuna quanto à identidade que ainda tem de ser sanada. ”Quer seja robô ou uma pessoa, tem de ser responsável pelas sua ações”, reitera o especialista norte-americano.
Mesmo com estas lacunas não falta quem invista em metaverso. O caso mais conhecido remete para a empresa que gere o Facebook, que mudou de nome para Meta, e reservou um investimento mais de dez mil milhões de dólares para mudar de paradigma.
Pedro Pombo, responsável pela Accenture Song, acrescenta mais um número elucidativo: na atualidade já são movimentados mais de 300 mil milhões de dólares em atividades relacionadas com metaversos. O que também abarca ambientes de realidade aumentada, que recorrem a óculos ou telemóveis, e sobrepõem ícones, dicas, informação, publicidade ou artefactos digitais sobre as imagens da realidade.
É esta previsão quanto ao metaverso na versão de realidade aumentada que leva Pedro Pombo a acreditar que um dia haveremos de passear na rua, ver um apartamento que gostaríamos de comprar, e apontar a câmara do telemóvel para descobrir, com a inserção de ícones no ecrã, “o preço e o spread do empréstimo”.
“Acreditamos que o metaverso é mais um estágio na evolução da Internet”, sublinha o gestor.
Neste novo estágio evolutivo, há que acautelar os propósitos e a interoperabilidade e disponibilizar as ferramentas para garantir interações sociais. “Estamos a ver muitas empresas a brincar ao metaverso sem terem definido bem os propósitos”, avisa Pedro Pombo, dando como exemplo da falta de pontaria estratégica o caso de uma cadeia de supermercados que pretendia replicar-se no metaverso, esquecendo que será mais conveniente para o consumidor fazer compras numa app ou num site.
Ainda nas palestras dedicadas ao metaverso, Luís Bravo Martins, responsável pelo Marketing da Kit-AR enalteceu a tecnologia NFT como um dos motores financeiros do metaverso, por permitir a venda de bens digitais em várias plataformas, mas não deixou de referir o potencial para a transformação dos ambientes empresariais. “Se num condomínio houver um berbequim com um NFT associado rapidamente se saberá onde está, quem é que o usou e quando é a manutenção e por aí fora”, refere Luís Bravo Martins.
Para já, segundo a associação internacional de profissionais de realidade virtual, que indica que já haverá 130 empresas no País a trabalhar em atividades direta ou indiretamente ligadas ao metaverso, referiu.
Na EDP também se reconhecem benefícios com a entrada neste mundo digital. Margarida Azevedo, responsável pela Universidade EDP, lembrou o investimento que a empresa tem vindo a fazer em torno de tecnologias que juntam diferentes pessoas no mesmo espaço virtual com o propósito de gerar o sentimento de pertença, uma ideia que também foi mencionado por outros oradores durante tarde de quarta-feira.
“O avatar permite projetar o melhor da imagem de uma pessoa”, recorda Margarida Azevedo, sem esquecer os benefícios para “a dinâmica da equipa”. Será que os avatares são mesmo as pessoas que representam "ou estamos só a personalizar a realidade?”. A resposta ainda deverá demorar a ser alcançada.
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