Economia

Alfredo da Silva, fundador da CUF, “um capitão da indústria com uma energia inesgotável”, sublinha biógrafo

Alfredo da Silva, fundador da CUF, “um capitão da indústria com uma energia inesgotável”, sublinha biógrafo

Para muitos o maior industrial do século XX, Alfredo da Silva completaria 150 anos no dia 30 de junho. Miguel Faria de Oliveira, o seu biógrafo, sublinha a excecional força empreendedora do fundador da CUF, que quis fazer “uma revolução industrial tardia em Portugal, em pleno momento de emancipação dos movimentos sociais e sindicais”

Alfredo da Silva, fundador da CUF, “um capitão da indústria com uma energia inesgotável”, sublinha biógrafo

Anabela Campos

Jornalista

Há mais 20 anos a estudar Alfredo da Silva, o capitão da indústria do século XX, o académico Miguel Figueira de Faria acaba de lançar, em véspera da comemoração dos 150 anos sobre o nascimento do empresário, o terceiro livro da trilogia “Alfredo da Silva e a I República”.

Miguel Figueira de Faria salienta o carácter excecional de Alfredo da Silva, nascido a 30 de junho 1871, um homem que transformou o Barreiro - onde instalou a CUF a partir de 1908 - no maior complexo industrial do país num momento particularmente agitado da história do país. O académico tem mais dois livros publicados sobre o fundador da CUF, o maior conglomerado da Península Ibérica e um dos maiores da Europa - nacionalizado em 1975 com quase duzentas empresas. O primeiro é "Alfredo da Silva, biografia", o segundo "Alfredo da Silva e Salazar".

"Alfredo da Silva foi um capitão da indústria com uma energia inesgotável, a querer fazer uma revolução industrial tardia, em pleno momento de emancipação dos movimentos sociais, dos movimentos sindicais e da sua atualização face às notícias que corriam na Europa, em relação à revolução republicana e à revolução russa. É uma equação importante para perceber a tração fortíssima do Alfredo da Silva para conseguir erguer o seu projeto empresarial", sublinhou no lançamento da obra, na Câmara de Comércio e Indústria, na passada quinta-feira.

Quando foi nacionalizada, a CUF representava 5% do PIB e estava representada em 40 sectores de atividade. "Alfredo da Silva criou um império que se desenvolvia nos mais diversos ramos de atividade. A CUF (Companhia União Fabril) não era apenas a unidade ligada à indústria química. Era a cúpula de uma empresa que depois tratava de tudo: os tabacos, a banca e a navegação, imobiliário, turismo, e tantas outras coisas".

"Alfredo da Silva era um grande homem, enquadrado no conceito que se dá ao termo no século XIX, o século em que nasce Alfredo da Silva. Era um homem exemplar no aspeto da criação de riqueza e desenvolvimento da economia, e sobretudo um patriota, uma palavra hoje difícil de compreender, especialmente se não tentarmos voltar atrás e perceber o que é que ela significava no início do século XX", acrescenta o estudioso.

Uma figura ímpar

No riquíssimo percurso de Alfredo da Silva - avô de Jorge e José de Mello, que viriam depois do 25 de Abril a criar a (hoje) Sovena e o Grupo José de Mello -, Figueira de Faria destaca a construção do parque industrial do Barreiro. "É importante dar o devido valor à chegada da CUF ao Barreiro, desenvolver o contexto desse grande polo industrial e dessa grande aventura, que é o expoente máximo da vida empresarial de Alfredo da Silva". O Barreiro é local escolhido pelo industrial para expandir a CUF, já depois da fusão com a CAF, depois deste ter concluído que Lisboa não tinha dimensão para o projeto com que tinha sonhado.

Presente no lançamento do livro, Vasco de Mello, bisneto da Alfredo da Silva e presidente da Fundação Amélia de Mello, lembra que foi o seu pai, José de Mello, quem inicialmente pediu a Miguel Figueira de Faria "uma profunda investigação sobre a figura ímpar de Alfredo da Silva".
Vasco de Mello salienta que foram "vários os objetivos traçados, mas todos na sua verdadeira essência muito simples, visando, afinal, trazer ao conhecimento generalizado a obra empresarial, social e de transformação que o industrial concretizou desde o final do século XIX até à data do seu falecimento, ocorrido nos anos 40 do século passado".

O industrial morreu em 1942, pouco antes do lançamento da seguradora Império e de concretizar o projeto de criar um siderurgia. Mas deixa já a Tabaqueira, as sementes do banco Totta ou da Lisnave.

Os atentados e o exílio

Alfredo da Silva, como todos os grandes empresários da época, passou pela política, não de forma intensa mas com visibilidade, apoiou João Franco e depois Sidónio Pais, de quem foi mais próximo. O biógrafo salienta também os três atentados ao industrial, um filho da burguesia comercial Lisboeta do século XIX - um deles quando estava a sair do país, na véspera da noite sangrenta de 19 de outubro de 1921, a caminho do exílio em Madrid.

O industrial foi deputado e membro da Câmara Corporativa em 1934, a convite de Salazar. "A questão do exílio e dos atentados é preciso entendê-los à luz dos movimentos sociais e políticos da altura. O proto PCP já se movimentava nesta altura e é uma história interessante. A história cruza-se com a CUF." Alfredo da Silva exila-se em Madrid até 1926. É partir de lá que, com o seu genro Manuel de Mello ao leme - casado com a sua única filha, Amélia -, gere a CUF.

"Alfredo da Silva tinha uma atividade torrencial de epistolografia da escrita de cartas e telegramas com os quais comunicava com os vários chefes de departamento, normalmente pessoas da sua máxima confiança, desde logo o genro, Manuel de Mello. Depois o cunhado, Teles Machado. Sempre que podia vinha a Portugal clandestinamente. Ele não estava proibido de vir a Portugal - não estava em Portugal por uma questão de segurança", contou Miguel Figueira de Faria no lançamento do livro.

"Há uma carta muito engraçada que ele escreve de Alferrarede, um posto de observação, onde ele esperava pela mensagem em código de que poderia avançar - 'em Alferrarede a criar musgo'. Furioso de estar ali à espera, sem poder ter a sua observação mais direta sobre o que era efetivamente o centro da sua atenção, o desenvolvimento do polo do Barreiro."

A obra social e os saltos tecnológicos

Vasco de Mello fala do bisavô como um "líder e industrial que, enfrentando enormes desafios, foi capaz de levar por diante os seus investimentos e levar Portugal a dar saltos de desenvolvimento empresarial muito significativos". A criação de um verdadeiro polo industrial no Barreiro é um magnífico exemplo que a obra evidencia."

O bisneto salienta a capacidade de Alfredo da Silva criar sempre "mais empresas, mais emprego e com a concomitante distribuição de riqueza pelos seus operários (...)". "Esta decisão, de cariz marcadamente social e protetor, teve várias concretizações, de que são exemplo paradigmático a consolidação de forma estrutural no seu modelo empresarial, de uma escola para operários, de um verdadeiro posto médico, de uma despensa para abastecimento dos empregados ou da caixa económica para todos os funcionários da CUF."

Vasco de Mello, hoje presidente do conselho de administração do grupo José de Mello, defende que um dos factos marcantes em Alfredo da Silva é também a sua "vontade em dar saltos tecnológicos, visitando muitos projetos industriais pela Europa e inspirando-se no que de mais moderno existia, procurando concretizar um modelo de inovação permanente e incentivando os mais próximos a procurar as melhores soluções para as variadas indústrias que lançou, nomeadamente no Barreiro". Quando decide avançar para o Barreiro, Alfredo da Silva vai a Paris buscar o engenheiro que irá gerir as fábricas do complexo por cerca de duas décadas. E que com ele trará uma equipa de engenheiros.

O bisneto lembra a entrada na área financeira (a Casa Henriques Totta, mais tarde Banco Totta e Açores), nos transportes marítimos, criando a Sociedade Geral, neste caso alargando os horizontes de intervenção para uma lógica de um grupo empresarial.

"Nesta fase da vida de Alfredo da Silva [a Primeira República] ressalta bem a sua coragem e arrojo, enfrentando múltiplas adversidades, num país atrasado, profundamente rural, sofrendo três atentados, que o levaram a um exílio forçado, o que o obrigou a gerir as empresas à distância, num estilo forte, rigoroso e muito detalhado, motivando-as com o lema que usava frequentemente - ‘mais e melhor’”, sintetiza Vasco de Mello.

As comemorações dos 150 anos de Alfredo da Silva concluem-se esta quarta-feira com um conjunto de conferências na Fundação Gulbenkian. O último dia arranca com economista Sérgio Rebelo, que irá dissertar sobre o tema “A economia portuguesa entre o passado e o futuro”. Por lá vão passar economistas como Álvaro Ferreira da Silva, Ricardo Reis ou Pedro Pita Barros.

Na apresentação da conferência, a Fundação Amélia da Silva lembra que "Alfredo da Silva atravessou três regimes políticos, enfrentou várias crises económicas e sociais, desenvolvendo sempre a iniciativa empresarial e a inovação tecnológica". "Apesar da instabilidade política e da agitação social, apesar dos atentados contra a sua vida, arriscou sempre com sucesso, mudando a face da sociedade portuguesa. Quando hoje, em Portugal e na Europa, se fala em reindustrialização, a sua experiência será seguramente inspiradora."

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ACampos@expresso.impresa.pt

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