Rendeiro condenado a indemnizar BPP e Estado (e fica sem um envelope com 136 notas de €500)

Tribunal considera provado que ex-administradores do BPP receberam vantagens da esfera do banco sem autorização
Tribunal considera provado que ex-administradores do BPP receberam vantagens da esfera do banco sem autorização
Jornalista
João Rendeiro foi condenado a dez anos de prisão efetiva num processo de fraude fiscal quando ainda luta, no Tribunal Constitucional, contra a prisão decretada num outro processo, de falsidade informática e falsificação de documento, nesse caso a 5 anos e 8 meses. Não está sozinho na nova condenação. E ficou sem inúmeros bens. Ainda é possível recurso.
O Ministério Público acusou a antiga cúpula do Banco Privado Português (BPP) de, entre 2003 e 2008 (ano em que o banco foi intervencionado pelo Banco de Portugal), ter causado perdas à instituição em benefício próprio. Foram 31 milhões de euros que João Rendeiro, presidente da administração, Salvador Fezas Vital, Paulo Guichard e Fernando Lima, administradores e membros da comissão executiva, retiraram do património do banco para as respetivas esferas pessoais.
Em causa estavam prémios não reconhecidos na contabilidade do banco e operações realizadas com o BPP Cayman, nas quais perdia dinheiro. Os montantes eram auferidos pelos gestores sem a correspondente tributação fiscal, havendo tentativas de camuflar o destino do dinheiro. Os factos ocorreram entre 2003 e 2008.
Na passada sexta-feira, em tribunal coletivo composto por três juízas liderado por Tânia Gomes, no juízo central criminal de Lisboa, João Rendeiro foi condenado a 10 anos de prisão efetiva no âmbito deste processo. A condenação do homem-forte do BPP é por um crime de fraude fiscal qualificada, um de abuso de confiança qualificado e um crime de branqueamento. Foi absolvido de cinco crimes de fraude fiscal qualificada.
É por idêntico leque de crimes que foram condenados os restantes poderosos do BPP: Salvador Fezas Vital, Paulo Guichard e Fernando Lima. Todos foram absolvidos da acusação do Ministério Público de outros crimes de fraude fiscal (cinco, nos primeiros casos, três, no do último). Fernando Lima só entrou para a gestão executiva em 2005, sendo que os factos sob julgamento ocorreram entre 2003 e 2008. Também não houve acusação por burla qualificada.
No âmbito deste processo, o Ministério Público, em representação do Estado, avançou com um pedido de indemnização civil aos visados, que, em sede de julgamento, foi parcialmente aprovado. O pedido visava o equivalente aos impostos que eram devidos, “por referência aos rendimentos que auferiram no BPP e/ou a títulos de dividendos, não declarados”.
No caso de João Rendeiro, trata-se de 4,9 milhões de euros (face aos 5,2 milhões que tinham sido pedidos por rendimentos auferidos e não declarados). Em relação aos restantes, houve adesão do tribunal ao pedido do Ministério Público: 3,3 milhões a Salvador Fezas Vital, 1 milhão a Paulo Guichard e 346 mil euros a Fernando Lima.
Além da indemnização ao Estado, havia um outro pedido, ainda mais significativo em termos de montante: feito pela comissão liquidatária do BPP, de forma a aumentar a massa a distribuir pelos credores. Aqui, o tribunal procedeu, na sua totalidade, às pretensões da comissão liquidatária, impondo o pagamento solidário de 29,5 milhões de euros aos condenados (numa parcela mais reduzida a Fernando Lima).
Neste caso, a decisão visa o ressarcimento pelos danos patrimoniais sofridos no BPP pelo “efetivo domínio institucional, funcional e operacional” dos visados – receberam “sem conhecimento ou autorização dos acionistas e da comissão de vencimentos” prémios que gastaram em proveitos próprios.
Há contas bancárias e bens dos condenados que estão arrestadas pela justiça, para que o seu produto venha a ser utilizado para pagar as indemnizações civis pedidas. E isso foi decidido pelo tribunal.
No caso de Rendeiro, há mais de 1 milhão em contas suas, da sua mulher e da sua esfera, bem como frações de imóveis, incluindo o edifício na Quinta Patiño, Alcoitão, onde o ex-presidente do BPP reside. Quanto a Salvador Fezas Vital, os arrestos são sobre ativos de mais de 3,5 milhões de euros.
Na listagem da decisão do tribunal, encontram-se ainda quantias adicionais e outros bens que são perdidos a favor do Estado, por o tribunal considerar tratarem-se vantagens com origem em atos ilícitos.
No caso de João Rendeiro, o coletivo de juízas menciona as obras de arte, que diz terem sido adquiridas com proveitos de atividade criminosa. Mas há mais: ainda 68 mil euros que estavam num envelope, divididos em 136 notas de 500 euros, que a consideração é a mesma; se assim não fosse, teria depositado numa das várias contas bancárias.
Na listagem, e entre outras notas em casa, havia ainda um veículo (um Aston Martin), carro de luxo que o banco comprou, mas que pertence a Salvador Fezas Vital.
O coletivo de juízas, no acórdão, refere que a decisão saída do processo implica “prevenção geral”, até porque o crime de fraude fiscal, “desviando-se da tributação dos rendimentos e bens a ela sujeitos, as receitas do Estado tornam-se insuficientes para o pleno exercício das suas funções, ainda para mais se se tiver em conta que a economia portuguesa, tradicionalmente frágil e dependente de conjunturas e auxílios internacionais, é com frequência sujeita a crises com consequências devastadoras ao nível dos direitos sociais e económicos”.
Considerações idênticas foram deixadas em relação aos outros tipos de crimes cometidos: abuso de confiança (“a própria imagem externa do país e a solidez e a credibilidade do seu sistema económico e financeiro são postas em causa”) e branqueamento (“as operações de camuflagem”… “são hoje encaradas como fatores de atraso social e das economias”).
O coletivo de juízas foi bastante duro com os arguidos, referindo a sua incapacidade de reconhecer culpa e a ausência de arrependimento. A Rendeiro é criticada a “postura arrogante e sobranceira”. Guichard, que está no Brasil, é criticado por se ter mantido à margem do julgamento.
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