Economia

Bastonário da Ordem dos Médicos alerta: PRR só vale 2% da despesa pública anual em saúde

Para Miguel Guimarães, o Plano de Recuperação e Resiliência não é a “coisa bombástica” que parece. Em mais um debate Expresso/Deloitte sobre estes fundos europeus, pediu atenção aos doentes não-Covid que a pandemia deixou para trás

O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, alerta que as verbas previstas para a saúde no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) não valem mais do 2% da despesa pública anual em saúde.

Em causa estão os €1383 milhões de subvenções europeias que o governo português reservou para investir especificamente no reforço da capacidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) entre 2021 e meados de 2026. Verbas essas que estiveram em destaque no debate “PRR: um motor de transformação do sector da saúde?” promovido na terça-feira pelo Expresso em parceria com a Deloitte.

O PRR “é para executar durante cinco anos, o que na prática significa cerca de €277 milhões por ano”, esclareceu o bastonário durante o debate. “Pode parecer que é uma coisa bombástica em termos de investimento, mas tem de se colocar ‘os pontos nos is’ relativamente ao valor que vamos ter”.

No envelope estão, por exemplo, €300 milhões para transição digital na saúde. “Se eu pretendo fazer uma alteração de fundo - a transformação digital, que é absolutamente essencial – tenho de a iniciar já e em força. Mas €300 milhões são €60 milhões por ano”, diz Miguel Guimarães.

O bastonário da Ordem dos Médicos alertou para o “caminho muito grande” que o sector ainda tem por percorrer em termos de digitalização. “Neste momento, não conseguimos fazer, aquilo que se chama em segurança, a telemedicina. Não existem condições estruturais em termos de equipamentos ou do desenvolvimento da inteligência artificial que já existe, mas que não está aplicada nos nossos hospitais, nos nossos centros de saúde, em termos daquilo que é o acesso à informação que nos permite tomar as melhores decisões clínicas e fornecer uma melhor literacia aos cidadãos e combater a desinformação que existe”.

E a próxima pandemia?

Outra falha do PRR é esquecer as pessoas que fazem todos os dias o SNS. “É a qualidade dos nossos médicos e enfermeiros que nos fez ter estes resultados na resposta à pandemia. Não é a qualidade das paredes, dos edifícios, das infraestruturas ou da digitalização que a gente não tem para fazer telemedicina à distância”, critica o bastonário. “Não há no PRR nenhuma referência aos profissionais de saúde, seja em termos de carreiras, formação ou investigação. E isso é absolutamente lamentável”.

Também “não existe nada no PRR sobre a próxima pandemia que é a de recuperação dos nossos doentes não-Covid que ficaram para trás”, alerta Miguel Guimarães. “Se fosse falar agora dos milhões e milhões de consultas presenciais que não foram feitas, dos muitos milhares de cirurgias que ficaram por recuperar, dos quase 30 milhões de exames complementares de diagnóstico, do quase meio milhão de pessoas que não fez o rastreio do cancro da mama, do cancro do colo do útero, do cancro do cólon e reto, etc...”. O bastonário esperava uma verba específica do PRR para recuperar estes atrasos atempadamente. “Isso não aconteceu, o que nos deixa de alguma forma preocupados”.

O problema é que o PRR não prevê novas ações de reforma. “Estamos é a falar do reforço de reformas que já estavam em curso. Por exemplo, a reforma dos cuidados de saúde primários já tem 20 anos”, critica Miguel Guimarães. “Vão fazer um reforço do que já devia ter sido feito através do Orçamento do Estado porque é necessário fazer. Ainda bem que isso acontece, mas, como é evidente, não estamos a falar, obviamente, de uma verdadeira transformação da resposta que esta pandemia nos poderia ter levado a tomar”.

PRR pouco ambicioso

O partner da Deloitte, Nelson Fontainhas, foi outro dos intervenientes a questionar a ambição do PRR e a falta de colaboração do sector público com o sector privado e todo o ecossistema da saúde.

“Até que ponto estamos ou não a pôr em cima da mesa as tecnologias mais disruptivas disponíveis e que não estão ainda a ser aplicadas, nomeadamente no tema da inteligência artificial?”, questionou. “E até que ponto é que estamos a trazer o ‘futuro do trabalho’ para a prestação de cuidados, de auxílio e todas as outras componentes da saúde?”.

A remuneração dos cuidados de saúde com base em resultados e não em transações - a chamada ‘value-based healthcare’ - é outra das tendências que o PRR poderia ajudar a antecipar. “Sabemos que este é um desígnio mundial e europeu: conseguir monitorizar os resultados das ações sobre o paciente para conseguir criar um modelo de incentivos de eficiência e eficácia de todo o sistema”.

“No PRR, são tudo coisas muito importantes, tudo coisas essenciais, de facto, para a saúde em Portugal. Mas é mais um plano de recuperação do histórico do que, propriamente, da resiliência futura que queremos”, concluiu o partner da Deloitte, Nelson Fontainhas.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: economia@expresso.impresa.pt

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