Banco de Portugal queria mais 500 milhões de euros no Novo Banco em 2014
Diretor de supervisão contrapõe ex-vice-governador e considera que atuação do Banco de Portugal foi "enérgica e assertiva".
Diretor de supervisão contrapõe ex-vice-governador e considera que atuação do Banco de Portugal foi "enérgica e assertiva".
O Banco de Portugal preferia ter colocado mais 500 milhões de euros no Novo Banco em 2014, segundo o diretor de supervisão da autoridade na altura da criação da instituição financeira herdeira do Banco Espírito Santo (BES).
“O montante que inicialmente estava estimado [para o Novo Banco] era 500 milhões de euros superior” aos 4,9 mil milhões de euros que o Fundo de Resolução acabou a colocar na entidade em agosto de 2014, quando foi constituída pelo Banco de Portugal, de acordo com Luís Costa Ferreira. Esta audição, que se realizou esta sexta-feira, 12 de março, é a segunda da comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco.
O cálculo da necessidade de capitalização de 4,9 mil milhões resultou da comparação e correção de ativos e passivos transferidos para que o Novo Banco cumprisse os requisitos regulamentares, como rácios de capital. Mas o supervisor preferia uma margem maior, uma almofada adicional. Não aconteceu.
Nas respostas que deu a Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, Costa Ferreira explicou que tinha estado, no fim-de-semana da queda do BES, numa reunião no Ministério das Finanças, juntamente com o então vice-governador, Pedro Duarte Neves, que visou discutir o montante para o Novo Banco, já que o Fundo de Resolução não tinha verbas suficientes das contribuições recebidas dos bancos. Na altura, Maria Luís Albuquerque era a ministra das Finanças. A resposta saída da reunião “deu origem à afetação de 4,9 mil milhões de euros, e não aos 5,4 mil milhões previstos pelo Banco de Portugal. Desse montante, 3,9 mil milhões de euros foram emprestados pelos contribuintes.
Parte dos documentos que constam do espólio da antiga comissão de inquérito ao BES, que foi transferido para o novo inquérito ao Novo Banco, corresponde às atas do conselho de administração do Novo Banco e, numa das primeiras reuniões, liderada por Vítor Bento, a insuficiência da capitalização inicial da entidade foi discutida pelos administradores.
A comissão de inquérito ao Novo Banco recua até à sua constituição, sendo que um dos pontos em discussão é a dimensão da capitalização inicial do banco – já que, posteriormente, e para ser vendido, em 2017, o banco já absorveu 3 mil milhões de euros adicionais do Fundo de Resolução (que, para isso, precisou de mais 2,1 mil milhões de empréstimos dos cofres públicos).
Naquela data, a resolução foi feita em poucos dias, pelo que "não foi feita a avaliação da carteira de crédito", como disse à deputada centrista Cecília Meireles. "Havia algum crédito malparado", mas Costa Ferreira não soube concretizar. Ainda assim, o diretor adiantou que o Grupo Espírito Santo até nem surgia como devedor preocupante, dizendo que "a situação só se alterou quando conhecida a situação da Espírito Santo International". Foi na ESI que foi detetada a manipulação de contas.
Luís Costa Ferreira era o diretor de supervisão prudencial do Banco de Portugal entre 2013 e 2014, estando em funções durante a resolução do BES e criação do Novo Banco. Na sua exposição inicial, Costa Ferreira referiu que “os factos que justificaram a medida de resolução são imputáveis aos atos de gestão dolosa e ruinosa” de Ricardo Salgado e de alguns responsáveis da sua equipa, como Amílcar Morais Pires: “A responsabilidade pela responsabilidade do BES recai sobre os seus dirigentes e as suas condutas”.
Costa Ferreira afirmou, na sua audição, em resposta ao deputado social-democrata Alberto Fonseca, nunca ter tido "nenhuma orientação para mudar a atuação e opiniões sobre a supervisão dos bancos e, neste caso, do BES".
Aos deputados, Costa Ferreira considerou que a atuação do Banco de Portugal em relação ao BES foi “particularmente enérgica e assertiva” (contestando as considerações deixadas pelo presidente do conselho de auditoria do supervisor à data da resolução do BES, João Costa Pinto, na primeira audição da comissão de inquérito, na passada quarta-feira). “A descoberta não se deveu ao auditor externo, nem ao papel de terceiros, nem a informação que possam ter partilhado”, disse. O que detetou problemas foi o exercício transversal feito em 2013, conhecido por ETTRIC2, que analisou os grandes devedores do sistema bancário português.
“Dificilmente posso conceber um exercício mais energético e intrusivo. Não se poderia ter exigido uma atuação diferente”, declarou, indo de encontro àquela que tem sido a postura da autoridade bancária e da administração, sobretudo o antigo governador, Carlos Costa. O diretor sublinhou, até, que os tribunais (inclusive não só em primeira instância) já se decidiram a favor dos factos apurados pelo Banco de Portugal.
Ainda assim, o diretor do departamento de supervisão prudencial frisou os constrangimentos legais para não ter uma ação mais acelerada, nomeadamente de afastamento da equipa de Ricardo Salgado mais cedo. Além disso, sublinhou, “importa ter em atenção critérios de proporcionalidade e ponderar as consequências face ao objetivo de preservação de estabilidade financeira”. As medidas aplicadas pela autoridade da banca foram as “as apropriadas em face da informação disponível”.
Na relação com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), sobre a qual João Costa Pinto considerou ter falhas na quarta-feira, Costa Ferreira sublinhou que havia competências que não estavam sob o supervisor, e voltou a acrescentar: “Não está correto dizer que o Banco de Portugal não fez nada”.
Na relação com o BES Angola, Luís Costa Ferreira defendeu que não tinha responsabilidade sobre a supervisão das filiais (no caso em concreto, era competência do Banco Nacional de Angola) e que a informação recebida do supervisor, do banco e do auditor externo do banco não apontava para nenhuma situação grave. Aliás, o diretor revelou que, a 4 de julho de 2013, um ano antes da queda do BES, “em resultado da interação entre supervisores, o BNA referiu ao BdP que o BESA tinha uma carteira de baixa sinistralidade, tendo crédito vencido pouco significativo”.
“Só a 14 de julho, depois da notícia do Expresso, o BNA informou o Banco de Portugal de que havia problemas de exposição do BESA ao BES”, disse. O diretor partilha das mesmas dúvidas relativamente ao desaparecimento da garantia soberana do Estado angolano, que protegia a exposição superior a 3 mil milhões de euros de Lisboa para Luanda. “Eu não sei verdadeiramente o que aconteceu. Temos várias informações partilhadas pela auditora KPMG e Angola que referem a irrevogabilidade da garantia”, disse.
A participação do BES no BESA ficou no BES mau, mas a exposição creditícia de mais de 3 mil milhões de euros passou para o Novo Banco. “A linha de crédito perante o BESA foi transferida para o Novo Banco, mas provisionada a 100%, já que havia uma garantia soberana do Estado angolano, que considerámos que, por isso, seria recuperável. É, aliás, por isso que na medida de resolução não é dado destaque relevante ao BESA”, declara. Mas a verdade é que foi a garantia foi revogada e deixou de proteger o BESA.
Luís Costa Ferreira é, atualmente, diretor do departamento de supervisão prudencial do Banco de Portugal, tal como em 2014. Mas não esteve sempre no cargo. No fim de 2014, o responsável saiu do banco. Levou consigo o diretor-adjunto do departamento, Pedro Machado, para a auditora e consultora PwC – que estava a trabalhar com o supervisor na avaliação do balanço inicial do Novo Banco.
Na PwC, Costa Ferreira ficou responsável pela área de risco e regulação e trabalhou com vários bancos nacionais. “Foi para a generalidade dos bancos”. CGD, BCP, BPI (e filial angolana BFA), Montepio, Finantia e Novo Banco foram alguns daqueles para os quais trabalhou como consultor. Defende que estava limitado pelo dever de segredo, pelo que não podia passar informação sensível a que tivesse tido acesso no supervisor. “A única coisa que é relevante são os conhecimentos adquiridos do ponto de vista da interpretação das normas”, argumentou.
Mas a passagem pela consultora não se prolongou no tempo. Em 2017, o antigo diretor foi convidado pela então administradora (e depois vice-governadora) Elisa Ferreira, passando a supervisionar novamente os bancos para os quais trabalhou, aspeto criticado pelos partidos BE e PCP na audição – Duarte Alves, por exemplo, frisou que tal facto só dava razão para continuar a desconfiar do sistema de supervisão vigente.
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