Economia

Costa Pinto: Banco de Portugal devia ter atuado mais cedo no BES e algumas perdas podiam ter sido evitadas

Costa Pinto: Banco de Portugal devia ter atuado mais cedo no BES e algumas perdas podiam ter sido evitadas
António Pedro Ferreira

Autor de relatório secreto sobre BES lamenta que documento não tenha sido discutido no topo do Banco de Portugal. E sublinha que havia perdas com o Novo Banco que podiam ter sido evitadas, sobretudo devido à venda em 2017

Costa Pinto: Banco de Portugal devia ter atuado mais cedo no BES e algumas perdas podiam ter sido evitadas

Diogo Cavaleiro

Jornalista

O antigo vice-governador do Banco de Portugal e autor do relatório (secreto e confidencial) que avaliou o papel do supervisor no período que antecedeu a queda do Banco Espírito Santo, João Costa Pinto, considera que a autoridade poderia ter atuado mais cedo, mas que o seu peso era tão sistémico que seria preciso um respaldo político, quando na altura estava em funções o Governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho.

Na sua audição na comissão de inquérito ao Novo Banco, esta quarta-feira, dia 10 de março, João Costa Pinto afirmou que o Banco de Portugal poderia ter atuado de forma “mais enérgica e mais cedo, e não apenas no final do processo, quando os problemas se agudizaram da forma que se agudizaram”.

Nota de 2011 alertava para BES

No trabalho na base do qual o supervisor podia ter antecedido em relação ao BES estava, por exemplo, uma nota interna, produzida em 2011, que chamava a atenção “para as dificuldades de acompanhamento” do grupo, “devido à extrema complexidade da estrutura do grupo e ao facto de a empresa-mãe, ao nível da qual a supervisão analisava as contas em base consolidada do grupo, a Espírito Santo Financial Group, ter sede no Luxemburgo”.

Segundo declarou Costa Pinto, não houve indicações “de que a nota tenha chegado ao conselho de administração do Banco de Portugal”. “Aparentemente, a nota não terá tido consequências”, frisou o responsável pelo relatório que o antigo governador Carlos Costa nunca quis entregar ao Parlamento – foi Centeno que o remeteu recentemente à comissão de inquérito, embora mantendo o carácter confidencial, e impedindo a sua divulgação pública. Em 2011, o responsável pelo departamento de supervisão prudencial era o diretor Luís Costa Ferreira (que exerce atualmente o mesmo cargo), sendo que o pelouro estava no então vice-governador Pedro Duarte Neves, ambos a serem ouvidos na próxima sexta-feira, dia 12.

Na prática, sublinhou-se na audição, as notas técnicas existiam, mas nem sempre havia uma reação atempada da parte da administração. Mas sobre o relatório da comissão independente a que liderou, Costa Pinto lembrou que não era uma Bíblia e que devia ter sido discutido internamente, quando foi concluído.

No ano de 2014, “o país estava a sair de uma crise financeira gravíssima”, lembrou Costa Pinto, frisando que uma ação mais enérgica deveria ter acontecido na altura do ring-fencing (separação do BES e GES para impedir o contágio), no final de 2013 e início do ano passado. Só que tal “teria de ser acompanhado de um programa que garantisse a estabilidade financeira”, e isso, diz, precisava de um respaldo político. “A garantia tinha de ser dada pelo Governo”. O Governo PSD/CDS era liderado por Passos Coelho e contava com Maria Luís Albuquerque como ministra das Finanças. Mas isso, diz, não isenta o supervisor das suas próprias responsabilidades.

A legislação dava "instrumentos ao Banco de Portugal para intervir sobre a administração do BES, numa gradação que podia ir desde a substituição de administradores até à nomeação compulsiva". "Havia instrumentos, não com a potência dos instrumentos que hoje existem, sem dúvida, mas havia instrumentos que teriam permitido uma intervenção mais robusta", continuou.

Ainda assim, Costa Pinto refere que a responsabilidade do Banco de Portugal não esconde aquilo que foi feito pela gestão de Ricardo Salgado.

Há perdas que podiam ter sido evitadas

Costa Pinto, que considera que a resolução do BES e constituição do Novo Banco não foi a melhor solução para os problemas na instituição, está “convencido” de que parte das perdas que já se materializaram podiam não ter acontecido. “Há perdas que podiam ter sido evitadas”, disse. O Novo Banco começou a sua vida em 2014 com uma capitalização de 4,9 mil milhões de euros pelo Fundo de Resolução, sendo que, desde aí, já recebeu outros 3 mil milhões de euros (e pode ainda receber mais 900 milhões).

Na opinião de Costa Pinto, o processo de venda acabou por ser problemático, com a aceitação de condições colocadas pelo comprador, a Lone Star, e critica, por exemplo, ter-se misturado sob o escudo de proteção do Fundo de Resolução “créditos garantidos com créditos não garantidos”. “Como é possível?” Aqui, o Governo em funções era liderado por António Costa, com Mário Centeno, atual governador, como ministro das Finanças.

Admitindo que as decisões de venda do banco foram tomadas porque havia compromissos perante a Comissão Europeia por cumprir, Costa Pinto deixa uma opinião: “os compromissos nunca deviam ter sido aceites da forma como foram”.

O antigo presidente do conselho de auditoria da autoridade da banca frisou ainda que havia problemas na ligação do Banco de Portugal com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

“Não mudava nada no relatório”

Esta é a primeira vez que Costa Pinto fala sobre o documento escrito por uma comissão com cinco membros, que liderou, e que contou com o apoio da Boston Consulting Group. “O Banco de Portugal devia ter procedido a uma análise do relatório. Foi para isso, no meu entendimento, que ele foi produzido. O relatório, tanto quanto sei, não terá sido durante muito tempo – anos – objeto de qualquer discussão interna”, admitiu o antigo presidente do conselho de auditoria do supervisor.

“Não mudava nada no relatório. À luz da informação a que a comissão teve acesso, não vejo que tivessem que ser alteradas as conclusões”, declarou.

Apesar da audição em que foi protagonista, o documento não é conhecido publicamente, e assim vai continuar por enquanto. O presidente da comissão, Fernando Negrão, anunciou que iria avançar com um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça para o levantamento do segredo profissional que se coloca sobre quem leu o relatório, neste caso, os deputados, como o Expresso já tinha noticiado.

(Notícia atualizada às 15.08 com mais informações)

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