Economia

Sabia que os mais novos reciclam menos?

Sabia que os mais novos reciclam menos?
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Projetos Expresso. Estudo. Faltam pontos de recolha para a reciclagem de equipamentos elétricos e eletrónicos e mais informação sobre impacto no ambiente e na saúde. Entrega premiada pode ser solução

Fátima Ferrão

Sabia que muitas das botas de borracha vendidas no mercado são fabricadas a partir de plásticos retirados de frigoríficos e de outros eletrodomésticos reciclados? Ou que parte do mobiliário urbano, como os bancos de jardim, resulta do reaproveitamento destes materiais? Ou ainda que dentro de telemóveis e computadores há materiais preciosos como o ouro e a prata? Se nunca ouviu falar disto, é porque aparentemente a mensagem sobre a importância de reciclar equipamentos elétricos e eletrónicos não está a passar. Por diferentes motivos, esta é a opinião partilhada por produtores destes resíduos, entidades gestoras para a reciclagem destes materiais e associações ambientalistas. Que concordam noutro ponto: as metas definidas pela União Europeia para a reciclagem de resíduos elétricos e eletrónicos (REEE) continuam a falhar e é preciso tomar medidas urgentes.

O tema regressa à ordem do dia a propósito da divulgação de um estudo realizado pela Qdata, com a coordenação de Pedro Simões Coelho, professor da NOVA IMS, para a ERP Portugal e para a LG Portugal, sobre os hábitos dos portugueses em relação ao lixo eletrónico (ver infografia), que conta com algumas conclusões “surpreendentes”, como revela Rosa Monforte, diretora-geral da ERP Portugal, uma das três entidade gestoras de resíduos em solo nacional. “Espantou- -me que 66,2% dos inquiridos digam que reciclam REEE, porque a nossa grande dificuldade está em chegar ao resíduo de forma a atingir as metas europeias que nos são impostas.” A responsável acredita que esta percentagem diz respeito aos equipamentos que são entregues por troca de novos, nomeadamente os grandes eletrodomésticos, uma vez que, ainda segundo o estudo, muitos dos equipamentos que deixam de ser usados continuam a ser guardados, porque “podem dar jeito mais tarde”. Esta foi outra das conclusões do estudo a surpreender Rosa Monforte. “Apegamo-nos a telemóveis e a computadores, e vão ficando. Mas a verdade é que precisamos deles para cumprir as metas ambiciosas de Bruxelas”, salienta.

UE aumenta a fasquia

O regime jurídico de gestão do fluxo específico de REEE foi introduzido em Portugal em 2004, e desde então e até 2018 o país cumpriu na generalidade os desafios. No entanto, o crescimento exponencial deste tipo de resíduos em todo o mundo forçou a UE a aumentar as obrigações de reciclagem dos Estados-membros através da nova diretiva que estabelece uma meta de 65% (eram 45% até 2018) da quantidade de equipamentos elétricos e eletrónicos colocados no mercado nos três anos anteriores. “É um crescimento muito ambicioso, que apenas os países do Norte estão a cumprir”, aponta Monforte.

A comprovar estas palavras estão os dados referentes a 2019. Segundo o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, a recolha e tratamento de REEE rondou as 70 mil toneladas, aquém da meta de 103 mil definida pela UE, e um valor questionado pela associação ambientalista Zero, que apresentou, em dezembro passado, uma queixa junto da Comissão Europeia. Segundo a associação, as entidades gestoras (EGR) terão recolhido apenas 48 mil toneladas, um número a que chega através da contabilização dos dados dos concursos lançados pelas diferentes EGR. “As metas da reciclagem estão a falhar estrondosamente”, aponta Rui Berkemeier, dirigente da Zero. “Há vários motivos do lado das entidades gestoras, mas também do lado do consumidor”, admite. Na sua opinião, os pontos de recolha são poucos e falta informação eficaz junto do público sobre o impacto destes resíduos no ambiente e na saúde. A solução será um sistema de prémios (depósito/devolução), pois o cidadão “terá outra motivação para entregar os REEE”. Adicionalmente, a Zero aponta outras vantagens: a recolha será maior e mais controlada, pois permitirá o rastreamento do produto, e o valor não devolvido ao consumidor permitirá financiar parte do sistema de gestão do resíduo. Neste momento, acrescenta Rui Berkemeier, “vemos abertura da Secretaria de Estado do Ambiente para esta solução, mas resta esperar”.

Mais novos reciclam menos

A juntar às conclusões do estudo há uma outra que, segundo Hugo Jorge, diretor de marketing da LG Portugal, surpreende pela negativa. “Não tinha a perceção de que a faixa etária entre os 18 e os 24 anos fosse, a par com os mais idosos, a que menos recicla este tipo de equipamentos.” Sendo uma geração informada e habituada a lidar com a reciclagem desde os primeiros anos, “era de esperar que fosse mais ativa”. Rosa Monforte revela também admiração, até porque a ERP leva a iniciativa Geração Depositrão às escolas há 13 anos. “Este estudo serve também para percebermos onde estamos a falhar e para definir estratégias que melhorem estes números.”

Texto originalmente publicado no Expresso de 10 de outubro de 2020

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