Economia

Novo Banco já podia pedir mais 900 milhões de euros ao Estado. Covid-19 só aumenta a probabilidade de que serão mesmo pedidos

Novo Banco já podia pedir mais 900 milhões de euros ao Estado. Covid-19 só aumenta a probabilidade de que serão mesmo pedidos
tiago miranda

Marcelo está "estupefacto", Rio questiona-se sobre o “desgraçado” contrato que permite que entre mais dinheiro público no Novo Banco, como assumiu António Ramalho. Desde 2017 que está previsto: o que dita a necessidade de dinheiro são, em parte, os rácios que medem a solidez do banco. E esses rácios evoluem consoante o que acontece. E aconteceu a covid-19

Novo Banco já podia pedir mais 900 milhões de euros ao Estado. Covid-19 só aumenta a probabilidade de que serão mesmo pedidos

Diogo Cavaleiro

Jornalista

O Novo Banco tem até 2026 para pedir mais 900 milhões de euros ao Fundo de Resolução que, por sua vez, pode pedir esse dinheiro de empréstimo aos cofres públicos. Esse dinheiro pode ser solicitado a cada ano, mas nunca superando aquele montante no total. António Ramalho, que preside à instituição, assumiu que vai ter de pedir em 2021 mais dinheiro do que tinha previsto por conta da pandemia de covid-19. Não é uma surpresa. E, mesmo assim, causou estupefação no Presidente da República.

Ao Jornal de Negócios e à Antena 1, o presidente executivo do Novo Banco admitiu que o Novo Banco vai precisar de mais dinheiro do Fundo de Resolução do que aquele que antecipava no início do ano. “A diferença deste ano é que entre a previsão que fizemos antes da covid e a previsão que faremos depois da covid – que aliás já é do conhecimento da comissão de acompanhamento –, esta será, naturalmente, diferente”, assumiu.

O líder da oposição, Rui Rio, veio questionar como é que a pandemia, que só aconteceu em 2020, pode pesar naquilo que foi acordado em 2017. Marcelo Rebelo de Sousa também disse ter ouvido com estupefação a notícia de que o Novo Banco pode precisar de mais dinheiro por causa dos efeitos da covid-19. Mas não é uma total novidade.

A 25 de abril, o Expresso já o tinha antecipado: “Covid-19 dá margem para esgotar toda a injeção”. Ou seja, a pandemia abre portas a que os 900 milhões de euros sejam efetivamente pedidos. Porquê? A resposta é matemática.

Os pedidos de auxílio ao abrigo do mecanismo de capital contingente, criado em 2017 aquando da venda de 75% do banco à Lone Star, acontecem quando um conjunto determinado de ativos problemáticos sofre desvalorizações e essa perda de valor afeta os rácios de capital do Novo Banco. Ora, a pandemia traz pressão para a economia em geral e pressão adicional para devedores que já tinham problemas, como a maior parte dos créditos que integram este conjunto pré-determinado de ativos.

Assim, a pandemia, afetando o valor dos ativos (créditos, imóveis, fundos), pode ter impacto sobre os rácios de capital. E se os rácios de capital (o mais exigente, o CET1) descerem abaixo de 12%, o dinheiro pode ser solicitado. No primeiro trimestre deste ano, o rácio provisório CET1 foi de 12,3%. A margem é curta.

Mesmo o Fundo de Resolução, que entra no perímetro das contas públicas e que funciona junto do Banco de Portugal, já tinha assumido que a pandemia trazia problemas adicionais ao Novo Banco. “Hoje, o grau de incerteza aumentou”, disse o vice-governador do Banco de Portugal e também presidente do Fundo de Resolução, Luís Máximo dos Santos, numa entrevista ao Expresso em maio passado.

Pedido só no próximo ano

Do escudo de 3,89 mil milhões de euros desenhado em 2017, que sempre foi apontado como contingente pelas autoridades políticas mas que no sector bancário sempre foi visto como uma certeza, o Novo Banco já gastou perto de 3 mil milhões, faltando agora os referidos cerca de 900 milhões. Esse montante previsto no mecanismo pode ser utilizado até 2026. Para conseguir colocar esse montante, o Fundo de Resolução pode fazer como até aqui: pedir uma parte emprestada ao Estado, para devolver até 2046.

A probabilidade dos 900 milhões serem agora pedidos aumenta precisamente pelo explicado: a pressão sobre os rácios será maior.

Havendo esse pedido de dinheiro, só acontecerá no próximo ano - as convocatórias ao Fundo ao abrigo do mecanismo acontecem sempre devido às contas do ano anterior. O banco esclareceu isso mesmo num comunicado ontem: "qualquer eventual nova chamada de capital referente a necessidades de 2020, de acordo com o atual modelo, será feita em 2021, após aprovação das contas auditadas, após parecer da comissão de acompanhamento e verificadas com agente independente".

De cada vez que entra dinheiro público é desencadeada uma auditoria que avalia o que justificou essa necessidade (a iniciada há um ano ainda não chegou ao Parlamento). Havendo provas de má gestão, como já noticiado pelo Jornal de Negócios, o Fundo de Resolução poderá pedir a devolução do dinheiro injetado. Para já, o Parlamento já solicitou a entrega dos contratos em torno da venda e da criação deste mecanismo. António Ramalho disse na entrevista que espera que os contratos sejam efetivamente divulgados.

De qualquer forma, é certo que Portugal assumiu um compromisso junto de Bruxelas de que, além do dinheiro colocado ao abrigo do mecanismo, poderia vir a disponibilizar uma rede de segurança caso o banco enfrentasse dificuldades. E, além deste mecanismo, também há encargos com eventuais processos judiciais que, sendo desfavoráveis ao banco, ficam a cargo do Fundo de Resolução - que, embora seja financiado pela banca, tem precisado de empréstimos estatais para cumprir as suas obrigações.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt

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