BCP e CGD cancelam dividendos, BPI mantém-nos. BCE admite atuar

Banca portuguesa dividida em relação a recomendação do BCE em não distribuir dividendos. Em relação às remunerações de administradores, só Santander avança com cortes
Banca portuguesa dividida em relação a recomendação do BCE em não distribuir dividendos. Em relação às remunerações de administradores, só Santander avança com cortes
Jornalista
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O Banco Central Europeu deu flexibilidade aos bancos para ajudarem a economia, mas agora aperta-os em duas frentes: dividendos e prémios. Quer que esse dinheiro fique reservado para os tempos mais difíceis que aí vêm por conta da covid-19. Em Portugal, a Caixa Geral de Depósitos e o Banco Comercial Português já anunciaram, em momentos diferentes, o cancelamento dos dividendos, e o Santander em Portugal, sem dar uma resposta concreta, aponta para o mesmo sentido. A exceção é o BPI, que vai pagar. No que diz respeito aos prémios aos administradores, só o Santander admite colocar travões.
A CGD e o BCP são aqueles que já assumiram publicamente que não vão pagar dividendos na primeira metade deste ano devido à covid-19. O primeiro seguiu a recomendação do Banco Central Europeu (BCE) da semana passada, enquanto o banco privado até se antecipou à posição da autoridade de supervisão.
De resto, no Santander Portugal, a decisão final só será tomada em assembleia geral no final de maio, "mas existe uma forte probabilidade dos dividendos a pagar à casa-mãe, o espanhol Santander, serem suspensos", segundo adianta fonte do banco ao Expresso.
Já no BPI, até ao momento, mantém-se a decisão. "O BPI não alterou até ao momento a política que já estava anunciada de distribuir dividendos ao acionista", refere o banco. O acionista único do BPI, o espanhol CaixaBank, alterou a sua política e vai reduzir os dividendos a pagar aos acionistas.
Ao não pagarem dividendos, os bancos conseguem que parte do resultado líquido fique em reservas, o que melhora os fundos próprios e dá capacidade aos bancos de terem mais capital para financiarem famílias e a empresas numa altura de maiores dificuldades, como a que se antecipa devido à pandemia que está a afetar o planeta.
Estas posições agora tornadas públicas não são completamente iguais às que existiam na semana passada. Pelo meio, houve uma posição do BCE. O Expresso percorre aqui o caminho feito pelos bancos ao longo da última semana em relação a dividendos e remunerações.
Na semana passada, o Expresso fez uma ronda pelos maiores bancos portugueses que em 2019 passado pagaram dividendos, para perceber se iriam mudar a sua política tendo em conta a covid-19. O BPI e o Santander foram os únicos que, então, responderam. O BCP nada disse, mas, entretanto, fez uma comunicação ao mercado, a 26 de março.
“Face aos potenciais impactos e à incerteza associada à situação de pandemia, e ainda que o banco integre o grupo de instituições financeiras sem limitações regulatórias específicas em matéria de distribuição de dividendos, o conselho de administração entendeu ainda propor à assembleia geral anual a retenção dos restantes resultados relativos ao exercício de 2019, dos quais €13.929.601,66 para reforço da reserva legal, e o remanescente, no montante mínimo de €120.085.414,93, para resultados transitados”, revelou o comunicado do BCP de dia 26.
Sendo assim, nenhuma parcela do lucro do ano passado será para dividendos a pagar aos acionistas, onde se destacam o grupo chinês Fosun e a petrolífera angolana Sonangol. No ano passado, o BCP tinha marcado o regresso à remuneração, depois de uma década sem pagar nada aos acionistas. Agora, a pandemia traz um recuo para o banco que tinha como objetivo chegar a 2021 e partilhar 40% dos seus lucros anuais com os acionistas.
Ao decidir esta distribuição de resultados sem dividendos, o banco liderado por Miguel Maya antecipou-se àquela que era já uma decisão esperada, que foi tomada no dia seguinte, 27 de março: o BCE posicionou-se, pedindo às instituições sob a sua supervisão que não pagassem dividendos aos acionistas. “A recomendação diz respeito aos dividendos de 2019 e 2020, pelo menos até 1 de outubro de 2020”. A mensagem seguiu para as maiores entidades bancárias (em Portugal, são supervisionadas pelo BCE a CGD, o BCP e o Novo Banco, que não paga dividendos), mas também para as que são supervisionadas pelas autoridades nacionais.
A autoridade monetária, que tem flexibilizado as regras a cumprir pelos bancos (como alívios nas exigências de capital e de liquidez), recomendou até que os bancos que já tivessem feito propostas à assembleia geral anual nesse sentido as alterassem.
“O BCE espera que os acionistas dos bancos se juntem a este esforço coletivo”, afirmou Andrea Enria, o líder do conselho único de supervisão, o braço do BCE responsável por assegurar a supervisão bancária na zona euro.
Depois desta recomendação, o BCP deixou de estar sozinho no que diz respeito à não distribuição de dividendos. Mas foram precisos alguns dias para a tomada de posição. A CGD admitiu esta terça-feira que não vai distribuir dividendos ao Estado, que se iriam fixar em 300 milhões de euros a caminho do Orçamento do Estado para 2020, mas o anúncio mudou face à posição de ontem.
O Eco antecipou no fim-de-semana que a suspensão de dividendos até outubro estava em cima da mesa (a decisão encontrava-se nas mãos do ministro Mário Centeno, representante do acionista), mas, apesar disso, o banco público não o admitiu publicamente: “O conselho de administração da Caixa ainda não reuniu para discutir a distribuição de dividendos dos resultados de 2019” - foi esta a resposta dada na passada segunda-feira ao Expresso, apontando qualquer posição para a assembleia-geral anual, ainda sem data para acontecer, mas que tem de ocorrer até junho.
Ora, esta terça-feira, o Jornal de Negócios traz já uma resposta oficial do banco comandado por Paulo Macedo diferente, que está a ser repetida pelo banco aos vários jornais: “Em linha com a orientação do BCE divulgada no passado dia 27, auscultado o acionista, a comissão executiva da CGD vai recomendar ao conselho de administração que proponha em assembleia geral a integração em reservas livres da totalidade do resultado liquido distribuível de 2019, permitindo assim a sua incorporação integral nos rácios de capital da Caixa”.
São menos 300 milhões de euros a caminho dos cofres públicos, numa altura em que já é certo que o atual Orçamento do Estado é insuficiente para fazer face às responsabilidades trazidas pela luta contra a pandemia. No banco, fica o dinheiro para reforçar “a sua capacidade para apoiar as famílias e as empresas nesta conjuntura particularmente exigente”.
No entanto, a CGD e o BCP podem não estar sozinhos na banca portuguesa. Na semana passada, tanto o Santander Totta como o Banco BPI foram claros nas respostas ao dizerem que não havia ainda decisão sobre a revisão na política de dividendos relativos a 2019, mas esta terça-feira o Santander remete a decisão final para finais de maio, embora tudo indique que não irá pagar dividendos. Já o BPI mantém a resposta: não houve alteração da politica.
Questionado sobre se iria rever a política de dividendos, como fez o Santander em Espanha (que suspendeu o seu pagamento numa decisão tomada antes da recomendação do BCE), o banco em Portugal respondeu na semana passada que o tema não estava em cima da mesa.
Esta segunda-feira, disse ao Jornal de Negócios que ainda não havia nenhuma decisão. Agora, terça-feira, o banco indica ao Expresso que “a decisão final só será analisada no final de maio, em assembleia geral", mas admitiu que "existe uma forte probabilidade de os dividendos serem suspensos".
No BPI, por sua vez, mantém-se a intenção de pagar dividendos já anunciada: “Não vai haver alteração da política de dividendos”. No caso do banco liderado por Pablo Forero, o acionista espanhol CaixaBank decidiu reduzir a remuneração a pagar aos seus acionistas, igualmente antes do BCE. O CaixaBank é visado diretamente pela recomendação do BCE, já que é uma instituição significativa (o BPI faz parte do grupo, mas a recomendação é dirigida diretamente às entidades em que consolidam as contas).
Mas a atuação do BCE, por via do seu braço de supervisão, pode vir a ser mais musculada do que apenas a simples recomendação emitida na semana passada.
Andrea Enria, que lidera o conselho único de supervisão do BCE, admitiu-o à Bloomberg TV esta terça-feira, 31 de março: se os bancos não seguirem a recomendação de conter os dividendos, podem vir aí medidas de cumprimento obrigatório.
Enria lembra que os dividendos a pagar pela Europa serão, sem qualquer travão, de 30 mil milhões de euros. Dinheiro que, na sua ótica, deve ser mantido nos bancos: “A preservação de capital deve ser a prioridade”.
Há ainda outro ponto que traz preocupações ao supervisor europeu, ainda que de forma menos intensa: o pagamento de bónus. Se os acionistas também têm de abdicar da remuneração, também os gestores “devem assumir a sua parte”, disse Andrea Enria à Bloomberg TV, no mesmo dia em que falou nesse tema ao Financial Times.
Como o Expresso ontem noticiou, em Portugal, o Santander foi o único que já assumiu que iria reduzir as remunerações a pagar pela sua administração, ainda que sem adiantar em que volume.
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