Economia

“Mobilidade é o centro de todo o ecossistema” das cidades do futuro

A arquiteta Andreia Garcia (à dir.) falou dos desafios de futuro que já pairam sobre as cidades
A arquiteta Andreia Garcia (à dir.) falou dos desafios de futuro que já pairam sobre as cidades
Octavio Passos

Projetos Expresso. Urbanismo. A qualidade de vida e as redes de transportes estão entre os desafios realçados no X Encontro Fora da Caixa

“Mobilidade é o centro de todo o ecossistema” das cidades do futuro

Tiago Oliveira

Jornalista

A cidade é o que cada um faz dela. Para uns é um local de trabalho, para outros de lazer e para muitos de habitação. Sem esquecer que é isto tudo (e mais) para muitos, num processo que não dá mostras de parar. A ONU estima que em 2050 dois terços da população mundial viverá em cidades e Portugal não tem fugido à regra. Os últimos dados definem mais de 60% da população como citadina e, se a discussão envereda pela melhoria das redes de mobilidade ou desenvolvimento de espaços públicos, a resposta passa sempre pela qualidade de vida.

“Não há prazo para as cidades”, explica Andreia Garcia. A arquiteta foi uma das personalidades que marcou presença no Quartel da Serra do Pilar em Vila Nova de Gaia, para o X Encontro Fora da Caixa E=MC2 e deixou a ideia de que “a cidade daqui a 100 anos não vai ser muito distinta da de hoje”. Um arquiteto “tem que pensar que o T1 que está a desenhar agora pode ser um T3 daqui a uns anos”, por exemplo. Mais do que visões de ficção científica, a professora universitária fala da necessidade de uma “recuperação da malha urbana” que signifique “novos espaços”, e uma reflexão sobre as consequências do turismo em territórios como o Porto e a sua área metropolitana, onde habitam mais de 1,5 milhões de pessoas. Temos que ver as “consequências destes negócios fugazes que deixaram as tostas mistas para serem apologistas das tostas de abacate”, atira com ironia.

Fulcrais para a definição destas malhas urbanas são as redes de mobilidade e os movimentos pendulares que passam pelos seus veios. “Temos neste momento um processo de expansão em curso”, garante Tiago Braga, presidente da empresa Metro do Porto, escudando-se no estudo da construção de sete novas linhas para alargar a rede que bateu todos os recordes de utilização. Foram 70 milhões de clientes ao longo de 2019, mais de 7% relativamente a 2018 e mais do que os 60 milhões que o estudo da entidade apontava no início do século, no melhor dos cenários. “Temos que ser mais proativos na necessidade de responder a este crescimento”, reconhece o responsável. Se é do domínio público que a história foi acidentada, Tiago Braga acrescenta que “as pedras fazem parte do caminho” de um sistema que procura agora responder à redução no preço dos passes intermodais introduzidas pelo Governo, com 18 novas composições a caminho.

Rotundas
Para Paula Teles, presidente do Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade, é claro que a “sociedade cresceu rapidamente para as periferias e que “a mobilidade é o centro de todo o ecossistema”. São os “tecidos de rede” que têm de ser “muito estudados e planeados” para que a intermodalidade seja uma verdadeira realidade, ao contrário do que acontece em muitos casos portugueses. “Já vamos na terceira geração Planos de Mobilidade Urbana Sustentável europeus e a maior parte dos municípios ainda vai no primeiro”, revela. “Ainda se pensa muito em rotundas”, diz, enquanto destaca outras dimensões que estão a ser descuradas. É o exemplo do “desenho do chão” que “não está feito à escala do ser humano para ser confortável”.

“Demos demasiada primazia ao automóvel”, acredita o professor catedrático no Instituto Superior Técnico, Fernando Nunes da Silva, que lembra que “durante estes últimos 50 anos houve meios de transporte que foram altamente subalternizados”, como os “transportes públicos e andar a pé”. Atualmente “o grande desafio é gerir as transições” e o académico considera que “adaptar os transportes” a este processo não se faz “de um dia para outro” ao passo que pede cuidado com as diabolizações.

Meios como a bicicleta estiveram ausentes do planeamento durante muito tempo. Rui Igreja menciona que os mais recentes dados de quota de utilização estão “16% abaixo da média europeia”, embora reconheça que as coisas estejam a mudar. A Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável tem “a meta ambiciosa” da construção de 10 mil quilómetros de ciclovia até 2030 e o presidente da MUBI (Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta), destaca as “vantagens para a saúde com impacto económico e social” que as mudanças em curso podem provocar. “Cabe-nos a todos participar nesta mudança de paradigma da mobilidade.”

“Nos últimos 25 anos ficámos fora do centro da globalização”

Octavio Passos

Produtividade. Foi o tema que levou Fernando Alexandre ao X Encontro Fora da Caixa, e o economista e professor na Universidade do Minho (na foto) não poupou nas palavras ao longo da apresentação. “2000-2018 foi o pior período de sempre da economia portuguesa”, garante, enquanto fala de duas décadas em que a subida na produtividade da economia foi nula. “Nos últimos 25 anos ficámos fora do centro da globalização” num processo que só agora começa a dar sinais mais positivos. Campo onde o Norte continua na última fila do pelotão como a região “que tem o PIB per capita mais baixo” do país, apesar de ter registado a segunda maior taxa de crescimento (15%) do PIB real. O académico destacou o paradoxo de “as áreas que agregam mais capital humano, físico e recursos” terem sido “as que tiveram pior desempenho económico” e alertou para o facto de, em 2080, a população portuguesa em idade ativa poder cair para os 52%. Importa por isso trabalhar na retenção de talento.

O que disseram

“Vivemos uma situação particular em que partimos para soluções antes de identificarmos objetivos e enquadrá-los. Temos de perceber a melhor forma de adaptar os nossos transportes sob o risco de andarmos sempre a correr atrás do que é mais mediático”
Fernando Nunes da Silva
Professor catedrático noInstituto Superior Técnico

“O papel da cultura é fundamental para recuperarmos a cidade. Não só como garante da sustentabilidade enquanto lugar físico mas também da dimensão humana. É urgente refletirmos”
Andreia Garcia
Arquiteta

“Se queremos ter bons trabalhadores temos de lhes pagar bem, mas também fazê-los sentir que fazem parte de um projeto, que o vivem com paixão”
Ricardo Bastos
CEO do Grupo dreamMedia

Textos originalmente publicados no Expresso de 22 de fevereiro de 2020

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