Economia

Mentiu, omitiu ou esqueceu-se? Um conjunto de perguntas e respostas sobre o caso Constâncio

Mentiu, omitiu ou esqueceu-se? Um conjunto de perguntas e respostas sobre o caso Constâncio
reuters

Há perguntas que ainda precisam de resposta sobre o papel de Vítor Constâncio no financiamento a Berardo. Serão tratadas na nova audição ao antigo governador do Banco de Portugal. Mas como é que se chegou à necessidade de uma nova inquirição?

Mentiu, omitiu ou esqueceu-se? Um conjunto de perguntas e respostas sobre o caso Constâncio

Diogo Cavaleiro

Jornalista

O que está em causa na polémica?

A pergunta é uma: sabia Vítor Constâncio da operação de financiamento de 350 milhões de euros concedida pela Caixa Geral de Depósitos a José Berardo para a compra de ações do Banco Comercial Português, quando estava em curso uma guerra de poder na entidade privada? Na comissão parlamentar de inquérito à gestão da CGD, onde esteve em março, Constâncio rejeitou que pudesse sequer saber desse financiamento em antecipação, já que, explica, não é o papel de um supervisor. Documentos divulgados pelo jornal "Público" dão ideia contrária.

O que disse Constâncio em março?

A 28 de março deste ano, Constâncio, que foi governador do Banco de Portugal entre 2000 e 2010, esteve no inquérito parlamentar, mas pouco esclareceu os deputados. “Não me lembro. Isso será quando? Há 12 anos? Tanto papel que recebi, tanto relatório que li”, afirmou o antigo vice-presidente do Banco Central Europeu sobre um alerta deixado por um Almerindo Marques, ex-administrador da CGD, em 2002. A CGD, afirmou, não causava “muitas preocupações” no seu mandato, mas também sublinhou que há, na sociedade, “uma expectativa excessiva do que a supervisão pode fazer”. “A supervisão não pode evitar que decisões de crédito eventualmente erradas levem a perdas grandes ou pequenas nas instituições de crédito”, exemplificou. Segundo asseverou no inquérito parlamentar, o Banco de Portugal só teve conhecimento de operações de crédito problemáticas, como as de Joe Berardo, depois de serem efetivadas pelos bancos. “Essa ideia de que [o BdP as] pode conhecer antes é impossível!”. Ou seja, só conheceu a operação de financiamento a posteriori, depois da concessão, defendeu.

Em que foi Constâncio contrariado?

O jornal "Público" divulgou, na passada semana, documentação do verão de 2007 que mostra que o Banco de Portugal sabia que a CGD iria emprestar 350 milhões de euros e que esse dinheiro seria utilizado para reforçar a sua participação acionista no BCP. A Fundação Berardo pediu autorização ao supervisor para aumentar a posição no BCP de 3,99% para 9,99%. Os aumentos de participações qualificadas carecem de luz verde quando passam determinados patamares, neste caso de 5%. Os serviços do Banco de Portugal pediram informação adicional sobre aquela vontade do empresário madeirense. Foi aí que foi dito ao Banco de Portugal que iria utilizar uma operação de financiamento obtida junto da CGD, na altura liderada por Carlos Santos Ferreira. A 21 de agosto de 2007, o Banco de Portugal diz que não se opõe à transação. Esse foi o verão quente da guerra de poder do BCP, com Jorge Jardim Gonçalves contra Paulo Teixeira Pinto, que acabou, no início de 2008, com Santos Ferreira na presidência.

Qual a primeira reação de Constâncio?

O antigo vice-presidente do Banco Central Europeu publicou tweets em reação à notícia. “Não fui questionado sobre isso e ainda estou a averiguar. Não tenho lembrança de qualquer coisa deste género, que aconteceu há 15 anos, e, normalmente, o supervisor (como instituição) não tem interferência em operações concretas desta natureza.”

O que disse na entrevista à RTP?

Depois de uma sexta-feira em que a contradição entre os documentos tornados públicos e as suas palavras na comissão de inquérito não saíram do espaço mediático (e levaram mesmo o CDS a assumir que poderia levar o tema para o Ministério Público), Vítor Constâncio deu uma entrevista à RTP1. Disse que não tinha sido questionado, na sua audição, sobre a intenção de Berardo de aumentar a sua participação, pelo que não mencionou a questão quando esteve no inquérito parlamentar. “Não se falou neste processo [na audição]. Se tivessem perguntado... Não veio o assunto da não objeção [a que Berardo reforçasse no BCP] na audição. Não omiti nada, também não menti nada.” O financiamento da CGD a Berardo era “legal”, justificou ainda. “Tenho vida pública de integridade a provar o meu comportamento.” Para o ex-governador, claro que o Banco de Portugal tinha de decidir sobre o reforço de BCP, mas isso não quer dizer que soubesse do financiamento pela CGD. Diz que o crédito já estava negociado antes mesmo da luz verde do supervisor.

E o que revelou na nota à Lusa?

Entretanto, no fim de semana, o antigo secretário-geral do Partido Socialista voltou ao tema. Desta vez, em nota à agência Lusa, depois de receber informação do próprio Banco de Portugal, liderado pelo seu sucessor, Carlos Costa. Garantiu que, afinal, não participou na reunião do conselho de administração do Banco de Portugal que autorizou a Berardo a reforçar no BCP – o empresário madeirense estava num dos lados da guerra de poder (contra Jardim Gonçalves). “Recebi hoje do Banco de Portugal a informação de que não participei na reunião do conselho de administração de 21 de agosto de 2007, que decidiu não objetar à participação superior a 5% da Fundação Berardo no capital do Banco Comercial Português.” Defende, por isso, que não se devem pessoalizar decisões colegiais. Além disso, argumenta, a luz verde dada pela administração “não implicou, nem um aval à concessão desse crédito que já tinha sido legal e autonomamente decidido pela CGD [Caixa Geral de Depósitos], nem um julgamento sobre a natureza da operação”.

O que diz agora o Público?

Esta segunda-feira, o jornal "Público" voltou ao tema. Defende que Constâncio não podia deixar de acompanhar o dossiê: foi-lhe entregue um documento com a descrição completa da operação de financiamento da Caixa a Berardo, garantido por ações do BCP. O pedido de Berardo para reforçar no banco privado – que era o banco que, na altura, causava preocupação – esteve dois meses a ser analisado pelo Banco de Portugal.

Alberto Frias

O que apontam as críticas?

O caso tem levado a várias considerações, sobretudo de reprovação, face a Constâncio. Os partidos, da esquerda à direita (e com exceção do PS) foram duros nas críticas. A voz socialista a falar foi a de Francisco Assis, contra aquilo que chamou de “insólito processo de linchamento moral, cívico e profissional de um homem impoluto e superior”. Na mesma área política, Ana Gomes discordou, adiantando que o antigo governador perdeu toda a credibilidade. Já Marques Mendes, comentador político da área do PSD, envolveu a liderança de Constâncio no Banco de Portugal àquela que considera ter sido a estratégia de controlo da banca pelo então primeiro-ministro, José Sócrates.

Quais os próximos passos?

Vítor Constâncio vai regressar ao Parlamento. Ainda não há data oficial. Esta semana, a comissão de inquérito à CGD tem três audições agendadas: António Vieira Monteiro, atual “chairman” do Santander e ex-administrador do banco público; Filipe Pinhal, antigo administrador do BCP; e ainda Armando Vara, antigo gestor da Caixa – que pediu para não prestar depoimento presencial por estar detido, o que foi rejeitado pelos deputados.

Que perguntas há por responder?

De repente, há quatro questões por responder.

Como é que o governador do Banco de Portugal desconhece os pormenores de um pedido de autorização de um acionista para reforçar no banco que mais preocupações causava na altura? Que preocupações trazia esse reforço?

Porquê autorizar a entrada de um novo acionista, sem experiência de relevo na banca, para um banco que estava a enfrentar uma guerra de sucessão?

Qual o envolvimento do então governador na guerra de poder do BCP?

Se o financiamento da CGD a Berardo era uma conta-corrente, ela só seria utilizada depois da luz verde do Banco de Portugal a que houvesse aquisição da participação qualificada. Sendo assim, porque foi autorizada essa aquisição da participação?

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: dcavaleiro@expresso.impresa.pt

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