Vítor Constâncio assume que liderou a reunião do conselho de administração do Banco de Portugal que decidiu que José Berardo poderia reforçar a sua participação no BCP através de um financiamento obtido junto da Caixa Geral de Depósitos. Mas recusa que tenha mentido. E não falou disso no Parlamento porque ninguém lhe perguntou.
Questionado em entrevista à RTP1 esta sexta-feira, Constâncio foi taxativo a defender que não mentiu na audição, em março, na comissão de inquérito à CGD. “Não [menti], de maneira nenhuma. E também não omiti nada.” “Não se falou neste processo [na audição]. Se tivessem perguntado... não veio o assunto da não objecção [a que Berardo reforçasse no BCP] na audição. Não omiti nada, também não menti nada”, disse ex-governador do Banco de Portugal.
O jornal Público revelou documentos que mostram troca de correspondência entre José Berardo e o Banco de Portugal, onde o segundo dava luz verde, em 2007, a que o empresário reforçasse a presença no capital do BCP com recurso a fundos emprestados pela Caixa Geral de Depósitos. Trata-se de informações publicadas depois de Vítor Constâncio ter dito, em março, em sede de comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, que era impossível ter tido conhecimento do negócio entre a CGD e Berardo para escalar no BCP antes de ele estar fechado.
O também antigo vice-presidente do Banco Central Europeu negara já, em comunicado, que era “falso” que tenha mentido à Assembleia da República. Mas os deputados convocaram-no para uma nova audição. E há quem, como Cecília Meireles, do CDS, abra a porta a denúncia ao Ministério Público.
Sobre a ida à comissão, o antigo governador do supervisor da banca admitiu que iria (é obrigado por lei a fazê-lo), “com certeza”, para dar os esclarecimentos pedidos. E repetiu: “Não omiti nada, muito menos menti, e tenho uma vida pública de integridade a provar o meu comportamento nestas matérias”.
A diferença enunciada pelo ex-BCE
“A acusação que me é feita é ter omitido coisas e de ter participado numa autorização da operação de crédito de 350 milhões à Fundação Berardo”, começou Constâncio por dizer. Essa operação de crédito da CGD foi o fundamento dado pela Fundação para poder reforçar a sua posição no BCP, em agosto de 2007, em plena guerra de poder no banco privado.
Segundo afirmou na RTP, Constâncio admite que é “claro” que teve conhecimento da decisão de que o Banco de Portugal autorizou o reforço da posição - estas operações têm sempre de ser autorizadas pelo supervisor quando passam determinados patamares. Mas essa luz verde não obriga a que tivesse de dar operação ao empréstimo que permitiu concretizar esse salto de Berardo no capital do BCP. O empréstimo foi dado a conhecer nas cartas ao Banco de Portugal, mas já estava “assinado”, e o supervisor, legalmente, nem tinha de ter conhecimento prévio, defendeu-se Constâncio.
Só era necessário provar que que o dinheiro era legal. “Demonstrou que tinha uma operação de crédito que tinha já assinada com a CGD. Nada mais legal.” O empréstimo foi concedido com a garantia associada a ser as próprias ações do BCP adquiridas – que acabaram por desvalorizar em bolsa e depreciar o colateral do empréstimo. Berardo financiou-se no próprio BCP, na CGD e ainda no antigo BES (agora Novo Banco) para investir no BCP, causando perdas de mil milhões nestes três bancos.
Ou seja, segundo ressaltou Constâncio, “o “Banco de Portugal não faz qualquer julgamento ou apreciação sobre a qualidade do empréstimo” - “o Banco de Portugal, quando toma decisões, tem de respeitar a lei”. Não havia nem razões para duvidar da idoneidade de Berardo, nem do dinheiro que ele obtivera. E, portanto, não podia nem recusar o seu reforço no BCP (apesar da turbulência no banco), nem cancelar o empréstimo com a CGD.
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