Economia

Está a nascer uma cidade a 2,5 km de Lisboa

Potenciais investidores nacionais e estrangeiros visitaram esta semana os antigos terrenos da Lisnave, em Cacilhas, para onde está prevista a ‘Cidade da Água’
Potenciais investidores nacionais e estrangeiros visitaram esta semana os antigos terrenos da Lisnave, em Cacilhas, para onde está prevista a ‘Cidade da Água’
Fotos D.R.

Já foi palco de um dos maiores estaleiros navais do mundo, desativados há quase 20 anos. A ‘Cidade da Água’ promete revolucionar o urbanismo na margem sul do Tejo e recentrar toda a Área Metropolitana

Está a nascer uma cidade  a 2,5 km  de Lisboa

Vítor Andrade

Coordenador de Economia

Vai levar 14 anos a construir, terá milhares de habitantes e irá gerar milhares de empregos. Desde o lançamento da Expo-98 e de toda a área do Parque das Nações, na zona oriental de Lisboa, que não se promovia um projeto urbanístico de tão grandes dimensões em Portugal.

São 47 hectares de terreno, sobre os quais irão ser construídos 630 mil metros quadrados — ou menos, se for essa a vontade do investidor —, distribuídos por edifícios de habitação, escritórios, comércio e espaços culturais, além de algumas áreas para náutica de recreio.

Os responsáveis pela gestão do terreno — onde até 1999 funcionaram os estaleiros da Lisnave — não querem avançar ainda com valores, tanto de encaixe pela venda, como do investimento que virá a seguir. No entanto, fontes do mercado imobiliário garantem que poderemos estar perante o maior investimento imobiliário do século em Portugal, com valores a oscilar entre os €1,5 mil milhões e os €2 mil milhões.

Sem se identificarem publicamente e muito menos sem dizerem que interesses representavam, a verdade é que na manhã da passada terça-feira o auditório da empresa pública gestora do projeto — a Baía do Tejo S.A. — foi pequeno para acolher tantos interessados. Mais de cem, segundo contas da própria empresa, e com origem em vários pontos do globo. Esta ação de divulgação sobre o projeto ‘Cidade da Água’ tinha sido promovida a nível internacional várias semanas antes.

Potenciais interessados visitaram a antiga Lisnave

Alguns investidores vieram pessoalmente conhecer as antigas instalações da Lisnave, outros enviaram representantes ou gabinetes de advogados contratados em Portugal. Na visita ao terreno que se seguiu à apresentação feita no auditório da Baía do Tejo, as conversas cruzavam-se em vários idiomas, mas muitas das considerações eram de espanto e admiração: “Isto tem realmente um enquadramento impressionante”, comentava alguém em francês. Ou ainda: “Mas como é possível que ainda ninguém tenha feito aqui nada com Lisboa aqui mesmo ao lado, e este sol maravilhoso...?”, ouvia-se, em inglês mal pronunciado por um executivo com ar asiático.

O Expresso apurou que nos dias seguintes à apresentação pública sucederam-se as reuniões entre a administração da Baía do Tejo e vários dos interessados que se deslocaram propositadamente a Portugal.

Quanto à pergunta: porquê apenas agora? Jacinto Pereira, presidente da empresa pública gestora do projeto, é muito claro: “Porque houve vários constrangimentos, de ordem legal e também municipal que foram, finalmente ultrapassados. Agora, todas as operações urbanas da Baía do Tejo estão devidamente enquadradas quer pelo Plano de Urbanização Almada Nascente, quer pelo Decreto-Lei 133/2017 que permite a desafetação dos terrenos da Margueira (antiga Lisnave) do domínio público”.

A procura de uma solução para os terrenos onde a Lisnave funcionou até ao virar do século já vem de trás e remonta ao segundo governo de António Guterres (1999-2002). Na altura, com os terrenos de Cacilhas sob a tutela do Ministério das Finanças, foi criado o Fundo Margueira Capital, para gerir todo o processo de desmantelamento da Lisnave, tratamento de lixos e resíduos perigosos e, não menos importante, a colocação daquele importante ativo no mercado imobiliário.

Mas não correu bem e a venda dos terrenos esbarrou no próprio Governo. Ou seja, de um lado estava a Parpública, tutelada pelas Finanças, a tentar colocar o ativo no mercado para realizar capital e, do outro lado (do Governo), o estava o Ministério do Ambiente, liderado por José Sócrates, frontalmente contra aquela operação. A autarquia de Almada, na altura entregue à CDU, também não concordava com a solução das Finanças, pois exigia o regresso das atividades industriais à Margueira.

Isso não aconteceu, mas sucederam-se vários anos de impasse sobre o fim a dar aos 57 hectares com vista direta para Lisboa, até que, já em 2009, é criada a empresa Baía do Tejo, também com capitais públicos, para resolver definitivamente o imbróglio.

Mercado nunca esteve tão ‘quente’ e isso ajuda

Sérgio Saraiva, administrador da empresa, não tem dúvidas de que este é o melhor momento, pois o mercado imobiliário nunca esteve tão ‘quente’ como agora e, “aliás, foi notório o interesse demonstrado na passada terça-feira pelas mais de cem pessoas que compareceram no nosso auditório em busca de informação”.

Aquele responsável nota que, “naturalmente, não podemos dizer com segurança absoluta que todos os que ali estavam eram investidores mas, se não eram, então porque é que marcaram presença?” E, na verdade, foi difícil contactar a administração nos dias que se seguiram, pois “a nossa agenda tem estado carregada de reuniões com muitos dos que nos visitaram”.

O administrador da Baía do Tejo lembra que o caderno de encargos será distribuído aos interessados até final do primeiro semestre deste ano e que, depois, se seguirá a fase de apresentação de propostas pelos mesmos. Sérgio Saraiva não se quer comprometer com datas, mas o Expresso apurou que, muito provavelmente, até final do ano poderá estar escolhido o vencedor do concurso público internacional.

Outra certeza é que os custos das obras de infraestruturação dos 57 hectares da Margueira ficarão a cargo do promotor escolhido para liderar o projeto. Em causa está a construção da marina, do terminal fluvial, da ligação ao Metro Sul do Tejo — que já passa junto aos limites do terreno —, e estradas de acesso e de ligação entre todas as frações do projeto.

Dos 630 mil metros quadrados de construção previstos, 382 mil serão para usos mistos (habitação, espaços públicos, turismo, retalho e serviços), 177 mil para escritórios e restauração, 31 mil exclusivamente para fins residenciais, 29 mil para espaços culturais e 10 m2 para o terminal fluvial e marina de recreio. Sérgio Saraiva nota que “estamos a falar de um projeto cuja dimensão vai recentrar toda a dinâmica urbana da Área Metropolitana de Lisboa. O mercado ainda está muito focado no centro da capital, mas a Cidade da Água vai a aliviar a pressão sobre o centro de Lisboa”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: VAndrade@expresso.impresa.pt

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