Economia

Dívidas de Joe Berardo à banca: O b-à-bá de uma "golpada" que já saltou para o plano político

O empresário Joe Berardo (D), ladeado pelo seu advogado André Luís Gomes (E), durante a sua audição perante a II Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à Gestão do Banco, na Assembleia da República, em Lisboa, 10 de maio de 2019
O empresário Joe Berardo (D), ladeado pelo seu advogado André Luís Gomes (E), durante a sua audição perante a II Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à Gestão do Banco, na Assembleia da República, em Lisboa, 10 de maio de 2019
ANTÓNIO COTRIM/Lusa

Com Berardo, não há a pergunta de 1 milhão, mas sim de 962 milhões de euros: É quanto os três bancos - CGD, BCP e Novo Banco - lhe pedem na ação executiva. Mas de onde vem todo este tema em torno do empresário madeirense? E como saltou para a arena partidária? Seis perguntas e respostas sobre um tema onde ainda há muito por esclarecer

Joe Berardo foi à comissão parlamentar de inquérito à CGD na sexta-feira dizer que era "claro" que não tinha dívidas e que as obras de arte expostas no Centro Cultural de Belém (CCB) eram da Associação Coleção Berardo.

O empresário foi criticado pelos deputados, que qualificaram a prestação do empresário de "deplorável", "absolutamente lamentável" ou "revoltante" e entretanto também pelo Presidente da República e pelo primeiro-ministro.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu que personalidades como o empresário Joe Berardo, condecorado por dois dos seus antecessores, têm "maior exigência de responsabilidade" e devem "ter decoro" e "respeitar as instituições".

Já o primeiro-ministro, António Costa, disse que o país está "seguramente chocado com o desplante" de Joe Berardo, e disse esperar que o empresário pague "o que deve" à CGD.

Depois de anos adormecido, o tema entrou também na campanha para as europeias.

Eis algumas perguntas e respostas sobre o tema:

Se o problema é antigo, por que foi Joe Berardo agora ao parlamento?

As empresas e sociedades ligadas a Joe Berardo são dos maiores devedores da CGD, banco alvo de uma segunda comissão parlamentar de inquérito à sua recapitalização (de quase cinco mil milhões de euros) e gestão.

A presente comissão parlamentar de inquérito foi impulsionada depois de conhecido um relatório de auditoria da EY a atos de gestão do banco público entre 2000 e 2015, e entre as 25 operações que geraram maiores perdas para a CGD encontram-se dois financiamentos a sociedades do universo Berardo.

Que operações foram essas?

Relativamente a Joe Berardo, a auditoria da EY identifica um crédito inicial de 350 milhões de euros à Fundação José Berardo, bem como um outro de 50 milhões de euros à Metalgest, 'holding' do universo do empresário madeirense.

Em 2015, segundo a auditoria, a exposição da CGD à Fundação José Berardo era de 268 milhões de euros, sendo de 53 milhões no caso da Metalgest.

As operações de crédito serviram para financiar a aquisição de ações do BCP, no já denominado "assalto" ao banco, em 2007 (que Berardo rejeita), dando como garantia à CGD as próprias ações.

Como as ações desvalorizaram de forma abrupta e praticamente na totalidade em poucos anos, a garantia dada pela Fundação José Berardo à CGD perdeu o valor, gerando perdas avultadas para o banco público.

No que consiste o universo Berardo?

Do universo Berardo, o maior devedor à CGD é a Fundação José Berardo, uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) sediada no Funchal e criada em 1988. Além desta fundação, a Metalgest, 'holding' associada a Berardo, também deve à Caixa.

Além da IPSS Fundação José Berardo e da 'holding' Metalgest, são também relevantes para esta história a Associação Coleção Berardo, dona das obras de arte, e ainda a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Coleção Berardo, a face mais visível ao público, por ser a que alberga as obras de arte no CCB, em Lisboa.

A Associação Coleção Berardo foi fundada em 1996 por Joe Berardo com o propósito de deter a sua coleção de arte.

A Fundação Coleção Berardo foi fundada em 2007 para albergar as obras da Associação Coleção Berardo no CCB, e os seus fundadores foram Joe Berardo a título pessoal (que também é presidente honorário, do Conselho de Administração e do Conselho de Fundadores) , a Associação Coleção Berardo, a Fundação Centro Cultural de Belém e o Estado português.

De acordo com o 'site' do Museu da Fundação Coleção Berardo, o advogado do empresário, André Luiz Gomes, faz parte do Conselho de Administração da Fundação Coleção Berardo. O filho de Joe Berardo, Renato Berardo, também faz parte do mesmo Conselho de Administração.

Quanto deve Joe Berardo aos bancos?

Aparentemente, em termos pessoais, nada. Berardo repetiu durante a sua audição no parlamento que "pessoalmente" não deve nada, que não tem nada, e que é "claro" que não tem dívidas.

De facto, o maior devedor à CGD é a Fundação José Berardo, IPSS sediada no Funchal e criada em 1988. Também a Metalgest, 'holding' associada a Berardo, deve à Caixa.

Uma das principais questões em debate na comissão parlamentar de inquérito é a forma como a CGD concedeu crédito à Fundação José Berardo, aceitando como garantias títulos aparentemente pouco valiosos em termos concretos.

Em 20 de abril, CGD, BCP e Novo Banco entregaram no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa uma ação executiva para cobrar dívidas de Joe Berardo, de quase 1.000 milhões de euros, executando ainda a Fundação José Berardo e duas empresas ligadas ao empresário.

O valor em dívida às três instituições totaliza 962 milhões de euros.

Um dos objetivos da ação é aceder às obras de arte da Coleção Berardo, sobre a qual o empresário tem um acordo com o Estado pela qual as obras de arte estão em exposição no CCB, em Lisboa, até 2022, não podendo ser vendidas.

Não é certo que as garantias dadas por Berardo sejam executáveis, ou seja, que as obras de arte sejam arrestáveis e válidas como garantia.

Por que podem as obras não ser válidas como garantia?

Além dos créditos garantidos por ações, a Fundação José Berardo deu ainda como garantia à CGD (e a outros bancos, nomeadamente BES [hoje Novo Banco] e BCP) 75% dos títulos da Associação Coleção Berardo, a sociedade que detém as obras expostas no CCB.

Entretanto foi revelado na sexta-feira, na audição ao empresário, que houve um aumento de capital na Associação Coleção Berardo, numa reunião que não contou com a presença dos bancos credores, que diluiu os 75% dos títulos detidos pelos bancos como garantia.

Berardo disse, então, que não tinha de ter convocado os credores, e remeteu para uma ordem do tribunal de Lisboa.

A garantia dada são títulos de participação na Associação Coleção Berardo, e não as obras de arte em si, razão pela qual subsiste a dúvida sobre se são uma garantia executável. Da audição não se compreende quanto é que, de momento, os bancos credores detêm em títulos da Associação Coleção Berardo.

Durante a sua audição, Joe Berardo riu-se da hipótese de que caso os bancos executem a garantia ("eles que o façam, estão no seu direito", disse) deixaria de ser ele a mandar na Associação Coleção Berardo.

Berardo foi então acusado pela deputada do BE Mariana Mortágua de fazer uma "golpada", sugestão que o empresário recusou, remetendo as decisões de aceitar como garantia títulos da associação para os responsáveis pela concessão de crédito.

O Estado tem opção de compra das obras de arte?

Berardo diz que não, mas o primeiro-ministro disse que sim, durante o debate quinzenal na Assembleia da República, na segunda-feira.

De acordo com a revista Visão, em 2016, aquando da última renegociação do contrato de comodato com o Estado até 2022, "o Ministério da Cultura conseguiu garantir a continuidade do Museu Berardo. Mas perdeu-se a opção de compra da coleção ao valor estipulado em 2016: 316 milhões de euros [avaliado pela leiloeira Christie's]. A última palavra será sempre do comendador".

Ou seja, a opção de compra estará indexada à aceitação por parte de Joe Berardo do valor da avaliação sugerido pelo Estado, que já não são os 316 milhões de euros que Berardo tinha aceitado até 2016.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate