Economia

Real Companhia regressa com museu e enoteca ao centro histórico de Gaia

O museu já está a funcionar, a enoteca abre para a semana
O museu já está a funcionar, a enoteca abre para a semana
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A Real Companhia Velha abre um centro de visitas no centro histórico de Gaia. É um regresso ao passado com um investimento de 2,6 milhões

É com um brilhozinho nos olhos que Pedro Silva Reis, o presidente da empresa, folheia o alvará régio que funda a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (Real Companhia Velha - RCV na versão comercial) ou aponta para o mapa original (1756) da região demarcada que se estende ao longo da bacia do Douro numa extensão de 250 mil hectares.

O mapa, os livros de contabilidade, a ação nº1 da companhia com averbamentos diversos e o alvará, em versões digitais para adultos e crianças, são preciosidades históricas que embelezam o Museu da 1.ª Demarcação que a RCV instalou no centro de visitas da marginal de Gaia, com enoteca, loja, restaurante e vista sobre o Porto.

O museu abriu no início de agosto, a enoteca só fica disponível para a semana (dia 23). Detalhes finais, como a ligação do gás, atrasaram a abertura de um centro concluído há dois meses.

Pedro Silva Reis exibe com orgulho a cédula empresarial que confere à RCV o estatuto de empresa mais antiga do país: a data de registo é 10 de setembro de 1756. A garrafa de Porto mais antiga da coleção do tempo de D. José (1765) permanece nas caves da RCV, mas será transferida para o museu se as condições ambientais forem consideradas adequadas.

Regresso ao centro histórico

A RCV regressa ao quarteirão que durante décadas serviu de armazém e caves, 30 anos depois da racionalidade económica ter ditado a transferência da empresa para uma zona desafogada fora do centro histórico de Gaia e do roteiro turístico das caves.

O espaço (um hectare) revelava-se excessivo (a diversificação para os vinhos de mesa e a evolução para as categorias especiais levaram as vendas de Porto a reduzirem de 20 milhões para dois milhões de litros) e o estatuto do edifício condicionava intervenções e a rentabilização do ativo.

O edifício ficou na posse da construtora Novopca que celebraria uma parceria com a Câmara para instalar um polo cultural. Mas, a construtora enfrentou um processo de insolvência e o quarteirão foi a leilão público, em 2016. É aí que entra em cena Mário Ferreira, patrão da Douro Azul, que pagou 8,6 milhões para ficar dono do espaço.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e o projeto de reabilitação permite alterar a cércea do edifício. Lança um projeto polivalente, com hotel temático ligado ao vinho, escritórios, parque de estacionamento e espaços comerciais, gerando uma nova centralidade com 500 empregos - a tecnológica francesa Altran é um dos inquilinos.

Ferreira desafiou Silva Reis para regressar ao centro histórico. O gestor, entusiasmado pela dinâmica turística que invade as margens do Douro e leva um milhão de visitantes às caves, arriscou 2,6 milhões no novo formato que ambiciona tornar-se uma referência no circuito dos apreciadores de vinho à procura, na linguagem moderna, de novas experiências.

Na designação do centro - 17.56 Museu & Enoteca - o ponto que separa os dois números é "o traço simbólico que liga a tradição e história com uma visão de modernidade", realça Pedro Silva Reis. O museu reúne peças que se encontravam dispersas pela sede da RCV, quintas e do espólio do museu do Douro e é uma pequena amostra de um acervo de 8 mil livros e um milhão de documentos ligados à demarcação do Douro.

Nos dois pisos (o restaurante, com terraço e capacidade para 190 pessoas fica no andar superior) a RCV ocupa 3000 metros quadrados, 10% da área do novo polo empresarial. A enoteca terá um catálogo cosmopolita, acolhendo vinhos das grandes regiões do velho mundo e uma oferta gastronómica alargada.

No Douro, a RCV prepara um investimento de 6 milhões de euros no reforço da componente enoturística da quinta das Carvalhas, no Pinhão, sinalizada pela famosa Casa Redonda. É a transformação de uma série de alojamentos abandonados em 15 quartos de luxo, com abertura prevista para 2020.

A PPP pombalina

A RCV foi a única companhia pombalina que sobreviveu. Na origem, traduz uma parceria público-privada do tempo de Pombal, em que o Estado concedia prerrogativas monopolistas e uma remuneração fixa (4%) aos 208 acionistas privados, durante os 20 anos de concessão. Os estatutos deixavam claro que todos os riscos da operação ficavam do lado dos privados. O capital social da companhia era de 200 mil cruzados, realizado em ações de 400 mil réis (um cruzado valia 400 réis).

Inaugura uma nova era da contabilidade, é um instrumento de combate ao domínio inglês no vinho do Porto, cobra impostos e tem um programa de ação tão vasto que interfere na educação (paga aos professores do norte do país e lança o embrião da universidade) e financia obras públicas na região. No fim do século XIX, as exportações dos vinhos do Porto representavam 50% das vendas de Portugal ao exterior - agora pesam 0,5% do total.

Cem anos após a sua fundação, a RCV perde os privilégios monopolistas e o caráter público e passa a operar em mercado livre, em condições de igualdade com os demais concorrentes. Lendo a história, "concluiu-se que é quase um milagre a empresa estar viva, tais as adversidades que enfrentou e carrega um passado glorioso que é um exemplo de notável resistência", diz Pedro Silva Reis, que conduz há 17 anos a empresa da família e conta já com um filho na primeira linha da direção.

A RCV ficou abalada com as invasões napoleónicas, fornecendo sem receber vinho às partes em conflito, com o confisco de stocks e créditos no Brasil aquando da independência do país e sobreviveu quando o exército miguelista lhe queimou 20 mil pipas de vinho. Ultrapassou também a intervenção estatal (quatro anos), após o 25 de abril de 1974.

Na versão atual a RCV conta, através da comissão liquidatária da Casa do Douro, com um sócio público que detém 30% do capital. É uma acionista silencioso e distante que nem se faz representar nas assembleias anuais de acionistas.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: AFerreira@expresso.impresa.pt

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