Toda a gente sabe que aquele avião vai cair quando “A Sociedade da Neve” começa, o caso fez correr muita tinta, deu origem a filmes, sobre ele continuam a escrever-se livros, como o de Pablo Vierci, que este filme adapta com nervo e fidelidade. E no entanto, esta história continua a angustiar e a deixar um nó na garganta, reverbera como se tivesse acontecido ontem, deixa o espectador a pensar no que faria se estivesse naquele lugar. O novo filme de J. A. Bayona — que também entre nós está a ser um êxito de streaming — foca-se na equipa de râguebi Old Christians Club, de Montevideo, e no malfadado voo charter que decidiram fazer a bordo de um avião da Força Aérea Uruguaia, com destino ao Chile, acompanhados de familiares e amigos. O voo despenhou-se com 40 passageiros e cinco tripulantes num glaciar dos Andes, 72 dias depois dava-se o milagroso resgate dos 16 sobreviventes, que passaram por suplícios extremos. A história é célebre mas aquilo que continua a impressionar continua a ser a dura escolha a que os sobreviventes foram levados. Dias passados após o acidente, estão eles esfaimados dentro da fuselagem e já sem quaisquer provisões, há um deles que exclama: “A comida está lá fora.” Não é propriamente comida. São os cadáveres dos companheiros que o gelo impede que se decomponham. A antropofagia é a solução — e não há outra. Assim aconteceu, assim venceram eles o frio e a fome, os Andes e a morte.
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