O que está (ou estava) em causa?
Mais de 11 mil argumentistas da associação norte-americana do setor (WGA) iniciaram uma greve a 2 de maio de 2023, devido a questões salariais e ao uso que consideram abusivo da inteligência artificial na criação de argumentos/guiões.
147 dias depois, quase quatro meses, chegaram a um acordo preliminar com a associação que representa os estúdios de Hollywood (AMPTP - Alliance of Motion Picture and Television Producers, que representa Netflix, Amazon, Apple, Disney, Warner Bros, Discovery, NBC Universal, Paramount e Sony). Em tese, deverá terminar com a greve.
O acordo "foi possível graças à solidariedade duradoura dos membros do WGA e ao apoio extraordinário dos sindicatos parceiros que se juntaram aos piquetes durante mais de 146 dias", podia ler-se num email da WGA, dirigido aos seus membros.
Quem está em greve?
- Mais de 11 mil argumentistas, representados pela Associação de Escritores da América (WGA)
- Cerca de 150 mil atores, representados pela Federação Americana de Artistas de Rádio e Televisão (SAG-AFTRA), que continuam em greve.
É a primeira vez que ambos os sindicatos convocam greves em simultâneo desde 1960, segundo a universidade de Georgetown.
O que é que mudou na indústria durante estas semanas?
“As greves são dispendiosas para ambas as partes e, normalmente, o sabor do resultado é determinado por quem sofre mais custos durante a greve e por quem consegue aguentar mais tempo”, afirmou a universidade acima referida.
Segundo o The Wrap, uma empresa de média norte-americana, a 12 de setembro do presente ano, os trabalhadores de Hollywood já tinham retirado 42,5 milhões de euros dos seus planos de reforma desde o arranque da greve.
A paralisação dos dois grupos já custou a Hollywood cerca de 4,7 mil milhões de euros, de acordo com o Milken Institute. Segundo a TVInsider, afetou a produção de imensos programas, séries, filmes e grande parte dos “talk shows”. Na vasta lista incluem-se produções como “American Dad”, “The Rings of Power”, “Stranger Things”, “Last of Us”, “Euphoria”, entre muitos outros.
A greve também teve efeitos na audência de vedetas americanas em eventos como o festival de Veneza.
Qual a margem de manobra dos atores e argumentistas? E dos estúdios?
Segundo a Universidade de Georgetown, os atores e escritores têm alguma margem de manobra, pois os sindicatos que os representam podem participar em negociações coletivas e têm fundos de greve que podem ser utilizados para apoiar os seus associados.
Os estúdios podem manter o braço de ferro ainda por mais tempo, devido à influência que possuem na indústria do entretenimento e ao seu poder financeiro. Controlam a produção, a distribuição e a propriedade intelectual, são eles a decidir os filmes e programas que são produzidos, bem como os que são transmitidos.
O que é que os argumentistas ganham com este acordo?
- Aumento na remuneração;
- Proteção no uso de inteligência artificial (IA);
- Aumentos das indemnizações para os conteúdos transmitidos em streaming;
- Concessões dos estúdios em matéria de pessoal mínimo para os programas de televisão;
- Garantias de que a tecnologia de inteligência artificial não irá interferir nos créditos e nas indemnizações dos argumentistas;
- Garantia de que os estúdios não vão usar Inteligência Artificial (IA) para substituir profissionais e recebimento de verbas no modelo de transmissão através de plataformas como a Netflix.
Depois de uma maratona de cinco dias em que, segundo o “New York Times”, vários líderes seniores dos estúdios se juntaram às negociações, o acordo ainda tem de ser aprovado pela liderança e pelos membros do WGA antes de a greve terminar oficialmente. Será válido durante os próximos três anos.
Como será o futuro?
Assim que o acordo for aceite, os argumentistas vão voltar ao trabalho, regressando, por exemplo, os talk shows. No entanto, a indústria televisiva e cinematográfica de Hollywood vai continuar com alguns impedimentos, tendo em conta que a greve dos atores irá continuar e, até à data, ainda não foram retomadas negociações entre o sindicato dos atores e os estúdios.
Para além desta greve contra o grupo que representa os estúdios, os membros do sindicato dos atores de Hollywood (SAG-AFTRA) votaram a favor de uma greve caso falhem as negociações com as empresas de videojogos, que começam dia 26. "É hora de as empresas de videojogos pararem de jogar e levarem a sério a possibilidade de chegar a um acordo", afirmou Fran Drescher (a presidente do SAG-AFTRA) em comunicado divulgado na segunda-feira.
Segundo Jorge Leitão Ramos, crítico e historiador de cinema que acompanha a indústria há décadas, as implicações económicas vão tornar-se mais evidentes no futuro, quando for notório o atraso nas produções.
As questões relacionadas com a IA também se transpõem para a greve dos atores: exemplo disso é forma como é possível criar réplicas digitais das suas imagens. O receio é que tal possa ser feito sem pagamento ou aprovação por parte dos mesmos.
A greve dos atores tem, no entanto, outras reivindicações. Entre outras coisas, os atores querem 2% das receitas totais geradas no streaming. Jorge Leitão Ramos admite que é necessário que estes 2% sejam atribuídos e que os lesados incluam, além dos atores, os próprios cinemas, visto que os filmes estão cada vez menos tempo em sala.
O crítico frisa que, depois de resolvida a questão com os argumentistas, os estúdios vão agora dar prioridade ao acordo com os atores, que poderá ser mais célere – os precedentes da discussão complexa com os argumentistas devem facilitar o processo.
E quanto a repercussões no resto do mundo? Leitão Ramos não prevê necessariamente uma vaga de greves, mas sim que determinadas questões contratuais e práticas se tornem padrão.
Texto de João Charréu, editado por João Pedro Barros