Festival de Berlim: Urso de Ouro para o francês Nicolas Philibert

em Berlim
Quem se lembrar de “Ser e Ter” e das crianças deste documentário que, tal como em todo o lado, também em Portugal foi um êxito de estima há 20 anos, pode fazer uma ideia do que é “Sur l'Adamant”, a obra que o júri presidido por Kristen Stewart premiou este sábado à noite com o Urso de Ouro. Os métodos de trabalho de Nicolas Philibert, 72 anos, continuam os mesmos: tempo sem fim passado com as pessoas que acabam por habitar os seus filmes, aposta no gesto observacional puro, câmara à altura das mulheres e dos homens que estão à sua frente. Philibert não trabalha para que se esqueçam da sua câmara. Não é, nunca quis, ser um cineasta discreto. Trabalha para que o aceitem. Não faz comentários. Não recorre à voz off. E o seu ponto de vista nunca é neutro, pelo contrário, está no extremo oposto — o que o move é a curiosidade, e ela está sempre no ecrã.
Foi com este espírito que ele entrou no Adamant, um estabelecimento do 12º bairro de Paris instalado num barco estacionado no Sena. É uma espécie de centro experimental que humaniza o mais que pode a psiquiatria e tende a diluir hierarquias entre quem quer curar e quem quer ajuda para ser curado. Logo no início, conhece-se François, que canta de uma só rajada 'La bombe humaine', um hit da banda francesa Téléphone. Philibert, como é seu hábito, não corta o que se passa, a canção vai até ao fim. As pessoas que vão ao Adament têm distúrbios mentais ligeiros. São meios-loucos. Não ensandeceram ainda mas para lá caminham se não forem tratados. O potencial das situações e conversas naquele espaço, naquela comunidade que tem muito de utopia, revela-se então enorme. E Philibert até perguntou ao júri se eles estavam loucos (a tirada teve muita graça para quem viu o filme) quando recebeu este sábado, no Berlinale Palast, aquele que é o prémio mais significativo da carreira.
Petzold ficou perto do Urso de Ouro com “Afire” e tinha filme de sobra para lá chegar: é excelente este seu primeiro rasgo de comédia (é romântica, sim, mas nem parece), sem nada do que nenhum de nós pode imaginar para o género. A 'medalha de prata' do Grande Prémio, distinção justa para um cineasta tão grande como Petzold, soube contudo a pouco. Garrel venceu um prémio de Melhor Realizador por um filme ligeiramente abaixo da escala dele (não para a escala dos festivais de cinema), mas isto é conversa de garrelianos. E não teria sido errado entregar o prémio a João Canijo, que deu a nível de realização provas incontestáveis em “Mal Viver”/“Viver Mal”.
O prémio de Melhor Argumento ao filme que mais o dinamitou — “Music”, de Angela Schanelec — foi uma provocação rara para um júri de um grande festival. Ironia não faltou a este palmarés. E também não faltou ao thriller agreste, selvagem, habitado pela atriz transgénero Thea Ehre, que Christoph Hochhäusler dirigiu em “Till the End of the Night” e que saiu de Berlim com o Urso de Prata de Melhor Interpretação Secundária (o festival aboliu há anos o género desta categoria). Encontrar Thea Ehre foi o cabo das tormentas. É um filme de que gostámos bastante e que poucos viram, deixado que foi para a última sexta-feira, já a Berlinale estava às moscas. A sua maior influência, disse-nos Hochhäusler em entrevista, é “O Ano das Treze Luas”, de Fassbinder.
O Urso de Prata de Melhor Interpretação ficou para a pequenina Sofía Otero, que é de facto o assombro de “20.000 Especies de Abejas”, estreia na longa-metragem da basca Estibaliz Urresola Solaguren.
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