As relações humanas são vulcões. São canais para a cumplicidade, até ao núcleo da intimidade, com inevitáveis erupções. Era assim, efusiva como magma, a amizade entre dois dos maiores poetas portugueses do século XX. “Ao querido Mário, com um grande, grande, GRANDE abraço. Porto, abril de 1951”, escreveu Eugénio de Andrade na parte de trás de uma fotografia a preto e branco, enviada para o amigo Cesariny.
Pouco depois, no mesmo ano, um precipício abrir-se-ia entre os dois. “O Mário Cesariny publicou um texto, apresentando matéria que indiciava usurpação e plágio por parte do Eugénio de Andrade nos livros ‘Os Amantes Sem Dinheiro (1950) e ‘As Palavras Interditas’ (1951). A rutura foi, claro, iminente”, recorda Isaque Ferreira. Em novembro, Eugénio de Andrade respondeu-lhe com uma carta, reproduzida e tornada pública: “Calúnias, mentiras, abusos – de tudo isso por lá há. Se lhe juntares a deslealdade de essa carta partir dum amigo, que além do mais é poeta, concordo que tens razões de sobra para te sentires mal à vontade. Por menos, tem ido muita gente para a cadeia”.
Presos pelo ressentimento, não trocaram nem mais uma palavra durante 48 anos. “O reencontro foi em 1999, na Rua de Miguel Bombarda, no Porto, durante um evento literário. Esta fotografia regista um abraço que demorou quase meio século para acontecer. Acaba por ser o reflexo de que a dimensão humana deve ser sempre mais zelada do que a criação literária”, nota Isaque Ferreira, curador da exposição “As razões do mundo”, patente até 24 de fevereiro em Matosinhos, na Biblioteca Municipal Florbela Espanca.
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