Emprestaram-me pela primeira vez um livro de Calvino no início dos anos 1990. A Vera Tavares — hoje a responsável gráfica pelos livros da Tinta-da-china — tinha achado lá em casa um exemplar de “O Barão Trepador”, edição Livro de Bolso da Portugália, traduzido entre nós cerca de dez anos depois da sua primeira publicação em Itália, em 1957. “Acho que vais gostar disto”, disse ela, “é a história de um miúdo que subiu a uma árvore por se recusar a comer caracóis, e depois nunca mais desceu”. A sugestão era suficientemente bizarra para ser irrecusável, e passado poucos dias o livro estava lido, uma daquelas leituras a abrandar para poupar páginas antes de um dos fins mais magníficos de livros que já li, e que aqui naturalmente não se contará.
Na altura eu não sabia nada sobre aquele autor. Não sabia que Italo Calvino tinha nascido em Cuba de pais italianos (a 15 de outubro de 1923, há exatos cem anos da data em que escrevo). Não sabia que regressara ainda pequeno para Itália, agora já dominada pelo fascismo, e que na sua juventude se juntara aos partigiani para lutar contra Mussolini e Hitler até à libertação. Não sabia que depois da II Guerra Mundial ele se estreara na literatura, em estilo neorrealista primeiro, com um relato dos tempos da Resistência, “O Atalho dos Ninhos de Aranha”. Nem que depois ele viera para Turim trabalhar como assistente editorial na casa Einaudi, com uma equipa de luxo onde também se contavam Natalia Ginzburg e Cesare Pavese. Ou que Italo Calvino fora militante do Partido Comunista Italiano desde o fim da Guerra até à invasão soviética da Hungria, em 1956. Ou que vivera em Paris durante alguns anos, já como escritor a tempo inteiro, participando em oficinas de literatura experimental. E não sabia, finalmente, que Italo Calvino morrera repentinamente, em 1986, de um ataque cardíaco fulminante, quando terminava uma série de conferências para uma universidade americana, publicadas em Portugal como “Seis Propostas Para o Próximo Milénio”.
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