Cultura

A guerra à distância

Uma crónica sobre o mundo tal como o desconhecemos, dos grandes temas da atualidade às questões insignificantes do quotidiano.

— Sim, senhor, aquilo é que vai uma caldeirada lá para a Ucrânia.

— Aquilo é gente que só se entende à bordoada. Volta não volta, lá andam todos pegados. É assim. Gente bruta.

— Mas o Putin também não tinha nada que invadir a Ucrânia. Que jeito é que tem entrar por ali adentro, um país soberano, em pleno século XXI… não há explicação…

— Haver não há… mas que já se adivinhava uma destas, lá isso…

— O gajo não é mas é bom da cabeça, está xé-xé, então vai agora meter-nos numa alhada destas? É que isto não fica por ali. Acabamos todos por comer por tabela…

— Quem ventos semeia…

— Ora essa… queres ver que ele ainda tem razão?

— Lá terá as razões dele. Os americanos andam por ali em pezinhos de lã, à volta da Rússia, que é para a rodearem e o Putin disse “alto! Que estes gajos querem-me fazer a folha” e, olha, apanharam os que estavam ali mais à mão. Azar dos Távoras!

— Ninguém o andava a ameaçar. Ele é que já queria há muito invadir a Ucrânia.

— É normal. Aquilo era deles e os russos nunca aceitaram a separação. Acontece muito.

— Era deles… não é bem assim… isso foi noutros tempos. Agora a Ucrânia é um país independente, não quer cá misturas. Imagina tu se os espanhóis agora nos entrassem por aí com tanques e a bombardear isto tudo. O que é que fazias?

— Eu cá deixava-me estar quietinho que não sou de guerrear. Mas os espanhóis nunca nos faziam uma dessas. Para quê? Mas alguém quer pegar nisto? Livra! Contentes ficaram eles em… quando é que foi?… a independência?

— 1640.

— Vê lá ao tempo… e achas que eles vinham por aí agora…

— Era uma suposição… uma maneira de dizer que foi isso que os russos fizeram. Um exemplo…

— Um mau exemplo, é o que é. Não há comparação possível. Aquela gente gosta é de confusão. Passam a vida nisto, ora se juntam, ora se apartam. É deixá-los estar que eles logo se entendem.

— Não acho nada. A Europa tem de apoiar a Ucrânia, mandar para lá armas…

— Eles que venham buscá-las a Tancos. Dizem que aquilo está tudo aberto. Eu cá acho que nós temos é de ficar caladinhos, sossegados, à espera que as coisas passem, porque daqui a uns tempos andam os russos abraçados aos ucranianos… fia-te nisto… agora vamos para lá e o Putin ainda manda para aí uma bomba nuclear que arrebenta com isto tudo. É Caparica, é Fonte da Telha, é até Sesimbra. Vai tudo pelos ares…

— Temos de ser solidários… não podemos ficar de braços cruzados.

— Ai não? Então não podemos? O que nós podemos ficar melhor é de braços cruzados. É mandar para lá umas mantas e uns benurons e não digas que vais daqui.

— Isso não é cristão, pá. Temos de os ajudar no esforço de guerra, mandar para lá armas e receber cá os refugiados. Ajudar o nosso semelhante.

— A mim não me importa que venham para cá, mas é alguns. Os que é para trabalhar e não é marmanjos que fugiram à guerra. Se é para viver à conta do Estado, fiquem lá onde estão que nós já cá temos muitos.

— Eu estou muito preocupado porque se a Ucrânia cai, o que é que vem a seguir? A Finlândia? A Polónia? A Alemanha?

— Tem calma. Até cá chegarem ainda demora. E é o que te digo: ninguém quer pegar nisto. Nem o Putin. Muito menos o Putin, que parvo é que ele não é. É deixá-los andar à bulha até se cansarem. Depois mandamos para lá umas empresas de construção para arranjar aquilo.

— Tu brincas, mas isto não é brincadeira nenhuma… ai não é, não… o que é estás aí a ler?

— Aqui a ver a bola. O Amorim estava danado. Ontem ia pregando uma cabeçada ao Conceição. Vai-se a ver e nada. É assim em todo o lado. Isto é como os russos e os ucranianos. Fogo de vista. É como te digo: andamos nós aqui em ânsias e eles no fim é que se riem.

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