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Dezassete anos de “Eixo do Mal”: “Como em todas as famílias disfuncionais, as coisas não mudam”

Dezassete anos de “Eixo do Mal”: “Como em todas as famílias disfuncionais, as coisas não mudam”
Joao Girao

Começou com uma veia mais humorística, nunca tendo sido um programa de humor. Acima de tudo, é um espaço de comentário político com uma boa dose de informalidade — que foi sendo moldado ao sabor das personalidades de quem o comenta. No 17º aniversário do “Eixo do Mal”, Clara Ferreira Alves, Daniel Oliveira, Pedro Marques Lopes e Luís Pedro Nunes recordam os maiores falhanços ou comentários mais certeiros, bem como os que mais complicações lhes trouxeram

Descrevem-se como uma “família disfuncional”. Uma expressão na qual todos se reveem, enquanto grupo que há 17 anos se reúne semanalmente para debater a atualidade política (15 com este painel). Um conceito que alguém lhes atribuiu – e também aqui, tal como no ecrã, as opiniões divergem: ou foi o atual secretário de Estado Nuno Artur Silva, coautor e primeiro moderador do “Eixo do Mal”, ou alguém externo ao programa de comentário político que passa na SIC Notícias (do grupo Impresa, que detém o Expresso). O importante é que gostam de ser vistos dessa forma.

“Todas as famílias são disfuncionais”, diz Clara Ferreira Alves, durante uma conversa com o Expresso sobre o 17º aniversário do “Eixo do Mal”. “Não há famílias funcionais, senão não seriam famílias, para parafrasear Tolstói. Quatro pessoas que se reúnem há muitos anos, mais um moderador [atualmente Aurélio Gomes], acabam por ter uma espécie de relação familiar umas com as outras que replica o que se passas nas famílias. Há uma familiaridade e uma solidariedade que de vez em quando é quebrada por pequenas rixas. Há uma espécie de grande acordo comum em diversas questões e de grande desacordo pontual e individual noutras. Acho muita graça ao nome ‘família disfuncional’, é quase clínico. Aplica-se muito bem e ajuda o programa. Se fôssemos funcionais provavelmente não teríamos graça nenhuma.”

“Somos todos pessoas com personalidade forte, que convivem há 17 anos, como altos e baixos, com discussões e muitas coisas que são visíveis aos olhos das pessoas”, explica Daniel Oliveira

Daniel Oliveira concorda que “alguma disfuncionalidade faz parte do conceito de ser família”. E desta família. “Somos todos pessoas com personalidade forte, que convivem há 17 anos, como altos e baixos – nunca tivemos zangas graves, longe disso –, com discussões e muitas coisas que são visíveis aos olhos das pessoas”, explica. “Essa definição tem muito que ver com isto: personalidades muito fortes, muito diferentes uns dos outros e uma relação com longevidade. Isto sem nunca ter existido qualquer tipo de fratura.”

Clara Ferreira Alves, Daniel Oliveira, Luís Pedro Nunes e Pedro Marques Lopes são “pessoas com ideias bastante diferentes umas das outras, às vezes muito berradas, outras mais calmas” e que “se irritam muito uns com os outros, mas no fundo acaba sempre tudo bem”, contextualiza Pedro Marques Lopes. Já Luís Pedro Nunes acrescenta: “Temos ali momentos de maior sincronia e dessincronia, mas também já sabemos que se este ano é assim para o ano é assado. Às vezes, até pode durar dois ou três anos. Já medimos as relações entre nós aos anos”, brinca.

A verdade é que todos convergem nesse ponto: dezassete anos depois, continua a existir entre todos uma certa familiaridade. E também as pessoas que os veem semanalmente vão criando uma proximidade. “Todos têm um favorito, todos odeiam um de morte. Há uma atração e repulsa – ou reação, a vários níveis – que é difícil replicar noutros programas”, considera Luís Pedro Nunes. “Se calhar há aqui uma mistura certa. Demasiadas características de personalidade juntas.”

E o futuro?

“Como em todas as famílias disfuncionais, as coisas não mudam. As pessoas até podem juntar-se e decidir que as coisas vão ser diferentes, mas toda a gente sabe que no Natal seguinte serão iguaizinhas”, atira Daniel Oliveira. O “Eixo do Mal” não nasceu tal e qual como o vemos hoje. “Era um pouco mais humorístico, nunca tendo sido um programa de humor, e foi-se construindo. Não tomámos a decisão de mudar o programa, ele mudou à medida que fomos mudando. Foi-se adaptando às nossas personalidades e ao que nós somos, com as várias diferenças entre nós. Quando o José Sócrates ganhou as eleições, a brincar levámos bandeiras do PS. Isso hoje seria improvável.” “No início, éramos mais pândegos”, concorda Luís Pedro Nunes. “Sobrei eu como menos sério.”

“Não sou muito boa a prever o futuro. Sou um bocado epicurista”, atira Clara Ferreira Alves. “O que vai acontecer no futuro não sei. Vamos continuar a fazer o que fazemos, o melhor que sabemos.”

E o programa pode mudar? “Não sou muito boa a prever o futuro. Sou um bocado epicurista”, atira Clara Ferreira Alves. “O que vai acontecer no futuro não sei. Vamos continuar a fazer o que fazemos, o melhor que sabemos. Durante quanto tempo não sei.” Já Pedro Marques Lopes recorda que o modelo do “Eixo do Mal” é uma fórmula vencedora. Ao longo dos anos, tentou introduzir-se algumas alterações, “mas voltámos sempre ao modelo original”, reconhece. “Aquilo resulta. Mal ou bem, enquanto o programa continuar, vai ter este modelo.” Que modelo? O de um programa de comentário político com informalidade. “Hoje é mais comum, mas quando surgiu não era habitual em televisão”, nota Daniel Oliveira.

Informalidade que, na perspetiva de Luís Pedro Nunes, é cada vez mais escassa no panorama televisivo nacional. “É cada vez mais difícil ser informal, a realidade está pouco disposta à informalidade. O politicamente correto, a caça à gafe, a descontextualização do discurso tem vindo a acentuar-se. As pessoas dizem cada vez menos o que pensam na televisão em direto.”

Qual o comentário mais ‘ao lado’ que fizeram?

Também aqui os quatro comentadores convergem: os falhanços foram muitos, seguramente. Daniel Oliveira recorda que falhou “em relação à possibilidade de Trump vencer” as eleições presidenciais dos Estados Unidos (“algo que só corrigi depois de ir aos Estados Unidos quando foi a convenção republicana”), Pedro Marques Lopes quando disse que Fernando Medina ia ganhar novamente a Câmara de Lisboa. Clara Ferreira Alves recorda-se não de um comentário no programa, mas de um pensamento. “Houve uma altura em que pensei, mas não o disse, que Passos Coelho poderia ser tentado a regressar. O facto de ele ter recusado regressar à política, por enquanto, achei surpreendente. Pensei que a revolução dentro do PSD fosse diferente.” Já Luís Pedro Nunes não se recorda. “Não memorizo essas coisas. Serão muitos, certamente. Demasiados. Tendo muito para a abstração e então, às vezes, hei de cair de chapão na água. Mas é apenas política.”

Qual a previsão mais certeira?

“Comecei a dizer que Sócrates era um bandido assim que ele entrou no Governo”, garante Luís Pedro Nunes. “Andei anos a gritar que ele era um bandido, até diziam que eu tinha uma fixação homoerótica pelo homem. Em 2005 as veias do pescoço saltavam-me a falar sobre o homem. Tinha um doutoramento em socratinice e socratinos.”

Daniel Oliveira recorda que previu que a extrema-direita iria ter representação política em Portugal, Pedro Marques Lopes que afirmou que Pedro Passos Coelho ia ser primeiro-ministro, antes mesmo de ele ser líder do PSD, e Clara Ferreira Alves evoca uma previsão mais recente. “Quando houve a euforia da descoberta das vacinas e ainda não se sabia muito sobre elas, eu disse que íamos ter um ano muito difícil, em que a escassez ia dominar a vacinação, e sobretudo no que diz respeito à logística. Muito antes de ser convidado o vice-almirante Gouveia e Melo para liderar a task-force, disse que a logística militar era a única forma de resolvermos o problema.”

E qual o comentário que mais chatices vos deu?

Angola, referem Daniel Oliveira, Luís Pedro Nunes e Clara Ferreira Alves. “Tivemos imensas chatices com a velha Angola da família Dos Santos. Um processo, pressões, insultos… Numa altura em que a família Dos Santos geria os negócios que tinha em Portugal como um potentado e como uma espécie de Estado inimputável dentro do Estado português, o que aconteceu durante vários anos, era muito problemático atacar Angola, a família dos Santos, o nepotismo, a oligarquia…”

Daniel Oliveira acrescenta ainda todos os comentários relacionados com animais, como as touradas. E outros dois processos com os quais levou, um por causa de um comentário sobre Pedro Santana Lopes (por ter dito que ele “não era salazarista, era chupista”) e outro sobre o líder do grupo de extrema-direita Mário Machado.

Já Pedro Marques Lopes diz que se aborreceu muito com Ricardo Costa, pelo facto da SIC ter transmitido o interrogatório de José Sócrates. “Aquilo incomodou-me e ainda hoje acho que foi um erro. E o Ricardo Costa escreveu um artigo no Expresso a criticar-me. Não foi propriamente uma chatice – foi chato, porque foi um conflito com uma pessoa da qual gosto muito e que pode despedir-me do ‘Eixo do Mal’, mas também uma grande lição: a SIC Notícias é um grande espaço de liberdade. Tenho o à-vontade para criticar violentamente a estação onde trabalho e essa estação tem a abertura para me responder na mesma moeda. E continuarmos a ser excelentes colegas de trabalho e até amigos.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mjbourbon@expresso.impresa.pt

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