Cultura

Prémio Camões. Professor Vítor Aguiar e Silva é acusado de ter sido informador da PIDE, mas documentos da época “não permitem concluir” isso

Prémio Camões. Professor Vítor Aguiar e Silva é acusado de ter sido informador da PIDE, mas documentos da época “não permitem concluir” isso
Foto Nfactos

Ao jornal “Público”, o teórico da Literatura e Professor Catedrático da Universidade de Coimbra admite que foi chamado ao Ministério Público para prestar declarações sobre as lutas estudantis de 1969. “Contei a verdade, incluindo a identidade de dois ou três estudantes mais ativos.” Mas garante que nunca teve contactos com a PIDE

Depois de ter sido anunciado que o teórico da Literatura Vítor Aguiar e Silva tinha vencido o Prémio Camões de 2020, surgiram acusações nas redes sociais de que o premiado teria denunciado alguns dirigentes das lutas estudantis de 1969 na Universidade de Coimbra (UC), onde era então assistente do professor Costa Pimpão. A polémica é contada pelo jornal “Público”.

José Oliveira Barata, professor catedrático reformado da Universidade de Coimbra, escreveu num post publicado na sua página de Facebook que Aguiar e Silva fora um “delfim do regime”, por ter sido deputado da Assembleia Nacional durante a ditadura e por ter colaborado “com a PIDE na denúncia dos estudantes da sua própria Faculdade”. Ao “Público”, José Oliveira Barata disse não ter “qualquer animosidade” contra Aguiar e Silva. “Mas sempre lhe disse, como ao professor Aníbal Pinto de Castro [que identificou no inquérito os mesmos estudantes apontados por Aguiar e Silva], que nunca deveriam ter feito aquilo.”

Ao mesmo jornal, Aguiar e Silva reconheceu ter identificado alguns estudantes no âmbito do inquérito instaurado pelo ministro da Educação da altura, Hermano Saraiva, mas assegura: “Nunca tive quaisquer contactos, diretos ou indiretos, com a PIDE.”

O professor relatou a sua versão dos acontecimentos: “Numa data que já não posso precisar, talvez na primeira quinzena de maio de 1969, recebi uma notificação de um magistrado do Ministério Público para prestar declarações no Palácio da Justiça de Coimbra. Compareci na data e hora marcada e fui recebido num gabinete por um magistrado que me pediu que relatasse os incidentes que tinham ocorrido nas minhas aulas e identificasse os estudantes que neles tinham intervindo. Contei a verdade, incluindo a identidade de dois ou três estudantes mais ativos.” E acrescenta: “Eu nunca concordei com a violência universitária desse grupo de estudantes, como não concordei com a repressão policial.”

Mário Torres, ex-juiz do Tribunal Constitucional, lembrou o percurso de três dos quatro estudantes identificados por Aguiar e Silva, todos eles já falecidos, frisando que tais trajetos não teriam existido se “as denúncias feitas pelo citado ‘humanista’” tivessem “produzido o resultado desejado, que seria “a expulsão definitiva das Universidades portuguesas”.

Por outro lado, o escritor Manuel Alegre defendeu “o muito merecido” prémio Camões dado a Aguiar e Silva. Também o crítico brasileiro Paulo Franchetti defendeu o premiado: “Incapazes de atacar a qualidade intelectual dos trabalhos de Aguiar e Silva, um grupo crescente de justiceiros começou a desencavar memórias e acusações, e juntando a elas relatos de misoginia, invejas de sabores variados e ciúmes curtidos ao longo de muitos anos.”

Gualberto Freitas, autor de “O Processo – Os Documentos da Crise Académica. Coimbra 1969”, disse ao jornal que “há agentes da PIDE que aparecem como testemunhas no processo, mas as declarações não são feitas à PIDE. E os documentos recolhidos no livro não permitem concluir que Aguiar e Silva tivesse ligações à PIDE”. No entanto, sublinha que “há uma atitude de delação que é evidente”, e lembrando que “houve professores que recusaram esse papel”, como “houve outros que prestaram declarações e citaram nomes”.

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