Carlos Ruiz Zafón: “Escrevo como se faz um filme, atravesso camadas e camadas de profundidade” (1964-2020)
Autor de “A Sombra do Vento” morreu em Los Angeles, Estados Unidos, onde vivia desde 1994. Lutava contra um cancro há dois anos
Autor de “A Sombra do Vento” morreu em Los Angeles, Estados Unidos, onde vivia desde 1994. Lutava contra um cancro há dois anos
Jornalista
O escritor Carlos Ruiz Zafón viu a sua carreira disparar quando, em 1993, o seu primeiro romance, “O Príncipe da Névoa”, venceu o prémio Edebé de literatura juvenil. Era um ex-estudante em ciências da informação que não acabara o curso e que trabalhara em publicidade, antes de tomar a decisão de abandonar tudo para começar a escrever.
Usou o valor do prémio para se mudar de Barcelona para Los Angeles, onde construiu um sólido corpo literário, pontuado de vários livros de sucesso, a par da escrita de guiões cinematográficos. Há dois anos, um diagnóstico de cancro de cólon interrompeu-lhe o caminho, obrigando-o a lutar pela vida. Esta sexta-feira essa luta chegou ao fim. A doença ganhou. Carlos Ruiz Zafón morreu naquela cidade norte-americana onde residia desde 1994 com a família.
A Planeta, editora dos seus livros (também em Portugal), publicou: “Hoje é um dia triste para toda a equipa que o conheceu e trabalhou com ele durante 20 anos, nos quais se forjou uma amizade que transcende o profissional.” Quem desaparece, acrescentou, é “um dos melhores romancistas contemporâneos”.
Ruiz Zafón era muito conhecido pelo romance “A Sombra do Vento”, de 2001, traduzido para mais de 50 línguas, e que vendeu acima de 10 milhões de exemplares. Este livro foi selecionado, em 2007, por 81 escritores e críticos latino-americanos e espanhóis para uma lista dos 100 melhores livros da língua espanhola dos últimos 25 anos. Sete anos depois deste best-seller, o autor escreveria “O Jogo do Anjo”, que despachou 230 mil exemplares no primeiro fim de semana após o lançamento. Os romances seguintes - “O Prisioneiro do céu” e “O Labirinto dos Espíritos” (com uma primeira edição de nada menos que 700 mil exemplares) - foram intercalados por dois volumes de contos. Em 2006, Zafón venceu o Prémio Correntes d’Escritas.
Nascido em Barcelona a 25 de setembro de 1964, Carlos Ruiz Zafón passou a infância num apartamento próximo à basílica da Sagrada Família. Iniciou-se na literatura juvenil com a Trilogia da Névoa, três livros redigidos entre 1993 e 1995. O facto de ter escolhido a literatura após uma incursão na publicidade e no cinema - e de ter continuado a trabalhar ativamente nesta indústria como redator de guiões - marcou fortemente a sua escrita e a construção dos seus romances, além da presença de elementos fantásticos e o tom de aventura.
Ao jornal “El País”, em 2008, declarou sobre o seu percurso literário: “Tem muito de guionista; e muito menos de publicitário. A publicidade foi o meu primeiro trabalho, tinha 19 ou 20 anos, e sim, comecei como copywriter e acabei diretor criativo; aprendi muito e consegui ganhar a vida.... Muitos escritores, como Don Delillo, trabalharam em publicidade porque esta roça a literatura. Aprendes a linguagem, as palavras como imagens. É equivalente aos romancistas que um dia foram jornalistas. Michael Connely, que me interessa muito, foi jornalista de justiça em Los Angeles e sem essa formação a sua literatura seria muito diferente. Porém, o que tem impacto na minha obra – e nunca é referido - é o meu trabalho cinematográfico".
Presença rara em festivais literários e homem avesso às aparições públicas, disse: “O suposto mundinho literário é 1% literário e 99% mundinho”. Sobre a forma como escreve, descreveu: “O meu método de trabalho está dividido por camadas. Escrevo como se faz um filme, em três fases. A primeira é a pré-produção, da criação do mapa do que vou fazer, embora ao começar a fazê-lo me aperceba de que terei de mudar tudo. Depois vem a rodagem: recolher os elementos com os que será feito o filme. Então, enquanto escrevo, atravesso camadas e camadas de profundidade, e começo a modificar as coisas. É nessa fase que me pergunto: ‘E se mudar a linguagem e o estilo?’ Aí crio o problema, que para o leitor há de ser invisível: ele há de ler como água, tudo tem de lhe parecer fácil. Mas para isso é preciso muito trabalho.”
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