
Quer ser uma “autobiografia impessoal”, escrita na terceira pessoa. “Os Anos”, de Annie Ernaux, é o registo do que já passou, salvando-o do esquecimento. Um lugar no tempo
Quer ser uma “autobiografia impessoal”, escrita na terceira pessoa. “Os Anos”, de Annie Ernaux, é o registo do que já passou, salvando-o do esquecimento. Um lugar no tempo
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Annie Ernaux define “Os Anos” (2008) como uma “autobiografia impessoal”, mas não se trata aqui daquela impessoalidade autobiográfica do “Léxico Familiar”, de Natalia Ginzburg, onde o “eu” é quase invisível; neste livro, embora se diga “ela” em vez de “eu”, a autobiografia é significativamente mais confessional, ainda que procure confundir-se com as épocas históricas, “os anos”. É como se as recordações individuais emitissem “sinais específicos” que as ligam aos “marcadores de época” e à experiência colectiva. Como se fôssemos, mas não possuíssemos, a nossa circunstância. Isso explica, aliás, a epígrafe de Ortega y Gasset: “A única história que temos é a nossa, e ela não nos pertence.”
O tempo em “Os Anos” é um inventário da vida da autora e da consciência histórica contemporânea. Primeiro, os anos da II Guerra (ocupação, colaboracionismo, resistência, libertação), que são também anos de uma infância de província feliz, seguidos de uma adolescência de província infeliz. Ernaux, nascida em 1940, lembra as condições difíceis em que viveu (sem casa de banho, sem frigorífico, sem nunca ter ido a Paris), e recupera algumas imagens desses tempos (o estojo dos lápis, o catecismo, os antibióticos) e algumas sensações constrangedoras (o “francês dilacerado” que falavam em casa, “sem louvores nem lisonjas”, as regras e as hierarquias, a vontade que ela tinha de ir embora). A sua adolescência, confessa, podia resumir-se assim: “Ir à cidade, sonhar, masturbar-se e esperar.” E, no entanto, o mundo manifestava-se enquanto novidade, confronto e progresso. Gás em vez de carvão, plástico em vez de metal, a TV e o LP, Elvis e BB, o existencialismo e o biquíni, De Gaulle e Camus, a Indochina e a Argélia, “O Acossado” e o nouveau roman.
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