
Primeira antologia de uma poetisa argentina que há muito é de culto noutras paragens. A palavra que (não) salva
Primeira antologia de uma poetisa argentina que há muito é de culto noutras paragens. A palavra que (não) salva
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Surge como um feixe de notas saído de um instrumento. Luminosa, constante, concisa e musical. Basta ler: “Mãos crispadas confinam-me ao exílio./ Ajuda-me a não pedir ajuda./ Querem anoitecer-me, morrer-me./ Ajuda-me a não pedir ajuda.” Os exemplos multiplicam-se e o livro não tem assim tantas páginas. Mas tem as suficientes para se perceber que Alejandra Pizarnik demorou demasiado tempo a ser traduzida em Portugal. Agora que a primeira “Antologia Poética” sua é publicada pela Tinta da China, muitos sentirão reposta uma injustiça que nem sabiam que o era, que só reconheceram como tal no exercício tardio da leitura. A injustiça de existir uma obra assim e o português, língua de poetas, ainda não a ter testado; de existir uma autora assim e só agora — apesar de a América Latina e Espanha lhe devotarem culto há décadas — poder ser descoberta.
Alejandra Pizarnik é daquelas poetisas que não nos largam. Que, uma vez lida, fica para sempre na memória, porque ativa um elemento de apropriação que não é mais do que o reencontro com algo que já se teve, que nunca se teve ou que sempre se quis ter. É como ter chegado a casa, independentemente de sabermos onde a nossa casa está situada ou ainda se de facto temos uma casa. Ela jamais encontrou uma: autoexilou-se em vida, refugiou-se na escrita e, não por acaso, o seu primeiro livro publicado, aos 19 anos (e depois renegado), chamou-se “La Tierra más Ajena”. Essa impressão de alheamento, de não pertença, percorre a sua obra toda, da poesia à prosa — o sentimento de morte iminente e desejada. No fim, a morte passou de ficção a realidade, e Alejandra cumpriu o desígnio com que tinha construído grande parte do seu edifício poético. Suicidou-se em setembro de 1972, depois de ingerir 50 comprimidos e de, enquanto aguardava que estes lhe fizessem efeito, ter maquilhado as suas bonecas.
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