Cultura

Terror, o terrível

Em “Eli Roth´s History of Horror”, o ator, realizador, produtor e argumentista facilita-nos a vida no modo como apresenta a sua história do terror no cinema: sete episódios que são, na realidade, sete capítulos que separam outros tantos temas – zombies, assassinos violentos (dois episódios, anos 80 e 90), demonologia, monstros, vampiros e fantasmas
Em “Eli Roth´s History of Horror”, o ator, realizador, produtor e argumentista facilita-nos a vida no modo como apresenta a sua história do terror no cinema: sete episódios que são, na realidade, sete capítulos que separam outros tantos temas – zombies, assassinos violentos (dois episódios, anos 80 e 90), demonologia, monstros, vampiros e fantasmas
FOTO LEON BENNETT / FILMMAGIC / GETTY IMAGES

Grupos de adolescentes em cabanas isoladas, raparigas indefesas a correr na floresta, dentadas visíveis nas carótidas, crucifixos que afugentam gente que não se vê ao espelho, fantasmas sem lençóis que os cubram. De tudo isto e muito mais se fala e se vê em mais uma tentativa de contar a história da História do terror nas grandes salas

Reinaldo Serrano

Aos 46 anos de idade, Eli Roth é um caso de relativo sucesso no universo de Hollywood. Ator, realizador, produtor e argumentista, o quase jovem nascido no Massachusetts teve até ao momento um trajeto diversificado, pese embora seja óbvia a sua propensão para a cinematografia de terror. O género continua a manter a sua legião de fãs e até a alargá-la, muito graças à literatura que vai gerando sucessivas adaptações para cinema e televisão, sem esquecer a relativa criatividade de argumentistas que aproveitam a onda para dar a conhecer propostas de maior ou menor sucesso: no primeiro caso (o cinema), “The Nun” (“A Freira Maldita”) tem sido um inesperado êxito de bilheteira em todo o mundo, tendo gerado menos de dois meses depois da estreia uma receita superior a 360 milhões de dólares (315 milhões de euros); o orçamento dos 96 minutos do filme foi de 22 milhões de dólares (19 milhões de euros)...

Ninguém entenderá racionalmente este fenómeno para um filme que, à semelhança de inúmeros outros, retoma uma fórmula repetida até à exaustão pelos realizadores e argumentistas que veem na possessão um manancial de susto fácil... e pouco mais. Claro que as redes sociais em muito contribuíram para a visibilidade de “The Nun”: o trailer de apresentação da película esteve envolto numa polémica “global” por ser alegadamente excessivo no conteúdo gráfico das imagens selecionadas. Ou seja, mais um exemplo de tonteria transformada em publicidade inflacionada, para gáudio dos produtores e para deleite dos distribuidores.

Na televisão, a Amblin e a Paramount deram as mãos que a Netflix se encarregou de distribuir, depois de o norte-americano Mike Flanagan ter descoberto um potencial de sucesso (conseguido) num livro quase esquecido da talentosa escritora Shirley Jackson, cujo curto mas significativo legado se traduz em vários contos e seis romances tendo o mistério e o sobrenatural como pano de fundo. Um desses escritos é “The Haunting of Hill House”. Escrito em 1959, o livro é considerado uma obra-prima do género e conta a forma como uma família teve de lidar com o trauma de assombrações passadas que se tornaram dramaticamente presentes numa casa que potencia os horrores de um tempo comum. “A Maldição de Hill House”, em português, foi bastante elogiada pelo público e pela crítica, porventura influenciados por sólidos valores de produção e por uma realização séria e segura, muito embora, a meio da série, os mais puristas possam pensar que o horror dá lugar ao drama, afastando-se assim da génese do romance de Jackson. O importante a ter em conta, julgo eu, é perceber que a obra da autora norte-americana tem mais a ver com a dor, o desgosto e o trauma do que propriamente (ou obviamente) com o terror na sua essência; mas admito que os mais acérrimos defensores da primazia das sensações em detrimento do conteúdo possam sentir-se algo defraudados. Seja como for, aproveito o ensejo de Hill House para lembrar estar disponível entre nós outro notável romance de Shirley Jackson: “We Have Always Lived in the Castle” (“Sempre Vivemos no Castelo”) é uma obra obrigatória para os amantes da literatura de mistério, enfim, para os amantes da literatura.

Parece que foi ontem, mas foi só há instantes que comecei esta crónica mencionando Eli Roth. E se o fiz foi para dar a conhecer um extenso documentário assinado pelo realizador sobre o terror no cinema. O nome não podia ser mais explícito: “Eli Roth´s History of Horror”. Onde é que eu já ouvi isto? Bom... entre outros nas histórias do terror assinadas por Mark Gatiss ou por Clive Barker. Escrito isto, que novidades podem trazer os oito episódios concebidos por Roth, além do seu entusiasmo pela matéria dada e da qual foi protagonista na realização de “Cabin Fever” (2002), “Hostel” (2005) e “Hostel 2” (2007), e em alguns episódios de “Hemlock Grove” ou “South of Hell”. O seu nome integra ainda a produção de filme como “O Último Exorcismo” (2010) e “O Último Exorcismo II” (2013). Mas, será que gostar de terror é suficiente para nos dar a conhecer a sua (longa) história no cinema? A resposta é afirmativa, muito embora o estilo algo ligeiro do documentário pareça estar em contradição com um género que pede outro tipo de sustentação.

Seja como for, Roth decidiu facilitar-nos a vida no modo como apresentou a sua História do Terror no cinema: são sete episódios que são, na realidade, sete capítulos que separam outros tantos temas: os zombies, assassinos violentos (dois episódios, anos 80 e 90), demonologia, monstros, vampiros e fantasmas. Parece o menu de um restaurante “gore”, mas não é. É antes uma importante amostragem de alguns sub-géneros que integram o horror na sétima arte, contextualizadas na medida do possível e analisadas por alguns dos nomes mais importantes ou, pelo menos, mais conhecidos do género: Joe Dante, John Landis, Robert Englund (o eterno Freddy Krueger), Linda Blair (a Reagan de “O Exorcista), Jamie Lee Curtis ou... Stephen King, que se define a si mesmo como um “classicista”. A este propósito, cumpre aqui dizer que fica a sensação de faltarem mais referências (em quantidade) de filme clássicos, sendo a primazia dada a películas das últimas duas décadas. Posso até estar a ser injusto (falta ainda ver o último episódio, só disponível a partir desta segunda-feira) mas admito que a tarefa de Roth não era fácil: são tantas as origens, as especificidades, as características singulares, a profusão de autores, realizadores, argumentistas, produtores, filmes e livros, que seria impossível (como tem sido) ser mais abrangente nestas cerca de sete horas de uma história do terror que não assusta mas promete ser uma companhia útil e adequada para os fãs do género e para aqueles que queiram descobrir o fascínio que o desconhecido e o inexplicável ainda exercem em muitas gerações.

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