Isso é pior que nada: a lição da intimidade de Churchill
Quantos outros ditadores vão ter de ser aclamados e apaziguados até aprendermos? E quantas palavras vagas podemos suportar?
Quantos outros ditadores vão ter de ser aclamados e apaziguados até aprendermos? E quantas palavras vagas podemos suportar?
Jornalista
“A Europa está perdida. É preciso negociar um tratado de paz. Hitler não vai fazer pedidos ultrajantes. Ele conhece as suas fraquezas”, diz Halifax, que pertence ao gabinete de guerra, a Winston Churchill.
A resposta do primeiro-ministro, naquele sítio sem luz e com o fumo dos charutos dele e com os mapas que mostram os avanços e recuos das tropas dos aliados e do inimigo na Europa, é arrepiante porque é dada aos gritos e os gritos dele colocam silêncio aos demais: “Quando é que vamos aprender a lição? Quantos outros ditadores vão ter de ser aclamados e apaziguados até aprendermos? Não se pode argumentar com um tigre quando a cabeça está dentro da boca dele”.
“A Hora Mais Negra” - nomeado para seis óscares - não se propõe a glorificar Winston Leonard Spencer Churchill. O realizador Joe Wright - que já nos deu provas do seu talento em “Orgulho e Preconceito” e “Expiação” - pretende, através de uma fotografia incrível, mostrar que até o primeiro-ministro é um homem, com as todas as suas fraquezas e vitórias. Aqui, vemos como foi o seu percurso durante as três primeiras semanas em que governou o Reino Unido e como foi odiado por uns e temido por muitos dentro do próprio partido.
Quando começa a exercer o cargo, vemos um Churchill confiante, que sabe o que quer dizer ao país, para depois assistirmos ao declínio da confiança de um homem que se vai sentar sozinho na cama, desorientado por não conseguir tomar uma decisão. Ele só sabe uma coisa: jamais haverá de se render, porque se “recusa a ver a suástica a pairar sobre Piccadilly ou o Buckingman Palace”.
Winston Churchill é interpretado por Gary Oldman, que ganhou um Globo de Ouro e um BAFTA pela sua perfomance neste filme. Já lhe conhecíamos o talento desde que foi Drácula em “Drácula”, Sid Vicious em “Sid & Nancy” e Stansfield em “Léon, o Profissional”. Mas em “A Hora Mais Negra” supera-se: os gritos dele hão de arrepiar, as piadas farão rir. É uma interpretação irrepreensível e quase irreconhecível devido à caracterização, que também está nomeada.
O primeiro-ministro é teimoso, rude e idiossincrático. É também um homem amável, otimista, divertido e sincero, que diz a sua majestade, o rei George, que não se pode encontrar com ele às segundas-feiras, às 16h, porque ele dorme a sesta a essa hora. É um excêntrico que anda surpreendentemente depressa para a estatura física quebrada que aparenta; que fala alto, que começa a beber álcool logo ao pequeno-almoço e fuma mais do que um homem alguma vez poderá fumar. É o tipo de pessoa que dita um discurso a Elizabeth, a datilógrafa, enquanto toma banho e é o tipo de pessoa que deambula pela sua casa em Downing Street a gritar versos de Cícero quando tem um discurso preparado para falar pela primeira vez ao país - para apaziguar a inquietação.
Churchill chega a primeiro-ministro durante a Segunda Guerra Mundial, em maio de 1940, numa altura de instabilidade e medo porque as tropas alemãs avançam a passos largos numa Europa que não está preparada para tal. O Reino Unido precisa de agir para não perder terreno nem os homens em Dunquerque - que precisam de ser salvos, nem que isso signifique a morte de milhares de soldados em Calais, que servem de isco para despistar as tropas alemãs. E o primeiro-ministro precisa de decidir: enfrentar o inimigo ou assinar com quem abomina um tratado de paz que lhe garante aqueles homens?
E depois acontece no filme aquele instante, aquelas lágrimas, aquela lição na intimidade: Churchill pede a Elizabeth, a esposa, para escrever um recado e ela começa a chorar com o que escreve e explica-lhe as ofensas do silêncio político. “Ninguém nos informa de nada. Ouvimos fragmentos e isso é pior que nada.” O povo precisa que lhe falem bem. Na guerra e fora dela.
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