Cultura

A sobrevivência é uma vitória

A sobrevivência é uma vitória
Foto Warner Bros.

Eles precisam de voltar para casa porque o inimigo aproxima-se cada vez mais. Eles precisam de sair de Dunquerque porque lá só há morte. Eles, os soldados, precisam de sobreviver

A sobrevivência é uma vitória

Soraia Pires

Jornalista

A conversa surge no pontão, que é o ponto de partida do filme e o passe de sobrevivência para todos os soldados. “Quase que se vê daqui”, diz o comandante da divisão britânica. “O quê?”, pergunta o coronel. “Casa”, responde-lhe, enquanto olha para o horizonte como se visse tudo o que o afasta da guerra daquele pontão. A pátria está a algumas horas de distância do sítio que emana a morte — Dunquerque, no norte de França —, mas eles quase que conseguem tocar em solo britânico de tão perto que o sentem. Contudo, falta chegar a ajuda que tanto esperam.

Resta ao comandante — protagonizado por Kenneth Branagh — permanecer em silêncio, mesmo quando vê os seus homens a atirarem-se ao mar quando um contratorpedeiro é bombardeado — e há aqui um plano duro em que o vemos sozinho no pontão a ver os seus morrerem. Não há uma palavra, um grito, um suspiro, uma ação. Ele está habituado ao som da morte que são os tiros e as bombas e aqui existem apenas os olhos incrédulos com o pesadelo que está à frente dele. E o silêncio, sempre. Mesmo quando vê e sente a esperança a esvair-se daqueles homens que não têm força para mais nada.

O silêncio em “Dunkirk” é ensurdecedor porque diz-nos o que os personagens não verbalizam. É através dele que ouvimos o medo, a tensão, a luta pela sobrevivência em cada um deles. É um filme sobre um acontecimento verídico e que conta parte da batalha de Dunquerque, que aconteceu em 1940 durante a Segunda Guerra Mundial e que retrata a força britânica encurralada por uma divisão alemã. Estavam lá 400 mil homens que precisavam de fugir pelo mar até terras britânicas e a ajuda de embarcações civis foi essencial para o sucesso da operação — foi por isso que esta ação ficou conhecida como o “Dunkirk Spirit”.

Foto: Warner Bros.

Haveremos de bloquear quando eles bloquearem

Este é um filme de guerra onde não há sangue e não se vê o inimigo. É antes sobre ela porque existem histórias e pessoas que querem sair de lá e que esperam por ajuda. Existem os que vão ajudar, que são também confrontados com o medo e a morte e é isto que diferencia este de outros filmes de guerra como “O Resgate do Soldado Ryan” e “Black Hawk Down”, até porque Christopher Nolan vê o mundo de forma diferente dos outros — ele brinca com o tempo desde “Memento” (2000) e é essa a grandiosidade dele e dos seus filmes porque nos entrelaça nas narrativas complexas de forma tão intensa que sentimos cada emoção dos personagens como se fosse a nossa.

E depois há a música arrepiante de Hans Zimmer, que está nomeado para Melhor Banda Sonora. A tensão que ele coloca no filme é quase palpável e os tique-taques constantes avisam-nos de que algo vai acontecer — não sabemos o que é mas já receamos. Haveremos de nos sentir a bloquear quando eles bloquearem; a afogar-nos quando a água lhes tirar o oxigénio; a suplicar quando eles estiverem no mar a clamar por um barco e tudo porque a cadência e as pausas propositadas que o alemão colocou nas composições nos guiam às lutas de todos eles.

Quem tem a coragem de ir ao sítio de onde todos querem partir?

Existem três narrativas para entendermos o filme: a da terra, que dura uma semana, o do mar, que dura um dia, e a do ar, que tem a duração de uma hora. É através da terra que a história começa a ser contada e é Tommy (interpretado por Fionn Whitehead) quem acompanhamos na costa de Dunquerque. Ele não tem ainda idade para a barba se fazer notar mas tem para a guerra. É através dele que avistamos os milhares de soldados à espera de um navio que os leve para casa e é através dele que entendemos que aguardar não pode ser a única solução — há que procurar outra saída porque a sobrevivência aqui é uma vitória.

Foto: Warner Bros.

E é quando ele tenta sair da terra que uma outra narrativa ganha destaque — a do mar. Dawson, um civil britânico, decide levar o filho e o jovem George — que diz que vai para a guerra para ser útil — num pequeno barco para resgatarem o maior número possível de soldados. Há uma cena que nos deixa inertes em que o barco passa por um contratorpedeiro com centenas de soldados que voltam para casa. Não existe expressão no rosto de nenhum deles mas sabemos que estão a agradecer a Dawson, ainda que em silêncio. Porque ele tem a coragem de ir ao sítio de onde todos querem partir.

É Ferrier (Tom Hardy) quem protagoniza a narrativa contada do ar. Ele, que pertence à Força Aérea Real (RFA) britânica, tem de garantir que os contratorpedeiros e os barcos civis chegam a Dunquerque inteiros — porque os bombardeiros alemães vão tentar abatê-los. E temos, neste filme, um Tom Hardy que pouco fala durante uma hora e 46 minutos, mas que tem um dos papéis da sua vida, porque, calado e com o rosto tapado a maior parte do tempo, é forte o suficiente para nos prender.

A meio do filme, percebemos que estas três narrativas vão tornar-se numa só porque todas contam a mesma história mas de perspetivas e tempos diferentes. Chega uma altura em que têm de unir-se para que o fim faça sentido. Mas, como em todos os filmes de Nolan, os finais são sempre subjetivos e saímos daqui com finais alternativos que produzimos nas nossas cabeças. Que nos deixam mais tranquilos porque há sempre a possibilidade de as coisas não serem o que achamos.

Dunkirk (2017):

Melhor Filme
Melhor realizador
Melhor Montagem
Melhor Fotografia
Melhor Banda Sonora
Melhor Direção de Arte
Melhor Edição Sonora
Melhor Mistura de Som

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