É sobre todas nós
O texto que há de ler pode resumir-se assim: “Não conheço uma única mulher que não tenha a mais complicada, louca e bonita relação com a mãe”
O texto que há de ler pode resumir-se assim: “Não conheço uma única mulher que não tenha a mais complicada, louca e bonita relação com a mãe”
Coordenadora de Multimédia
“Porque não podes dizer simplesmente que estou bonita?”, pergunta Lady Bird.
“Achava que nem te importavas com a minha opinião. Desculpa, estava apenas a dizer a verdade. Queres que minta?”, pergunta a mãe, Marion, de volta.
“Queria apenas que… Queria que gostasses de mim.”
“Claro que te adoro.”
“Mas gostas de mim?”
“Quero que sejas a melhor versão possível de ti.”
“E se esta for a melhor versão?” Da mãe, um olhar, silêncio. Mas um silêncio gritante entre “acredita, és bem melhor do que pensas” e o “é bom que isto não seja ao teu melhor”. De Lady Bird, a desilusão por não ter ouvido o que queria ouvir. Nenhuma delas estava certa. Personificam na perfeição cada um dos lados de um dos mais clássicos confrontos do crescimento: a relação entre mãe e filha.
É aqui que está a grande história de amor de “Lady Bird”. Christine McPherson, o nome verdadeiro de Lady Bird - que algures durante a adolescência decidiu que a alcunha lhe assentava bem melhor -, é uma jovem de 17 anos, cheia de dúvidas, sonhos e desejos. É segura e sabe quem é, sabe melhor ainda quem quer ser. Dramática por natureza. A mãe Marion é o oposto. É uma enfermeira que trabalha mais horas do que devia, engravidou já depois dos 40, é prática e racional, por vezes fria. O seu pragmatismo mantém toda a família no caminho certo e é ela que os sustenta quando o marido perde o emprego e entra num estado depressivo. Não sabem lidar uma com a outra e chocam muito, mesmo muito. Quando se amam, amam-se tanto - e só o percebem quando estão afastadas (mas não somos todos um bocadinho assim?).
Greta Gerwin é responsável pela realização e argumento de “Lady Bird” - está nomeada em ambas as categorias. “Não conheço uma única mulher que não tenha a mais complicada, louca e bonita relação com a mãe”, diz. A estas duas nomeações de Gerwin acrescem mais três: melhor filme, melhor atriz com Saoirse Ronan (Lady Bird) e melhor atriz secundária com Laurie Metcalf (Marion).
“Senti-me como se estivesse em casa.” Este é primeiro filme que Greta Gerwin, 34 anos, assina sozinha. Em mais de hora e meia há muito da realizadora - e também atriz - sem nunca ser necessariamente a história da vida dela. Lady Bird tem muito de Greta: “Nenhuma daquelas coisas aconteceu realmente, mas são todas verdadeiras”.
Gerwin é de Sacramento - “o interior da Califórnia” -, estudou num colégio católico e sempre teve o pulsar pelas artes, queria fugir para Nova Iorque. Tal e qual Lady Bird, que desejava ir estudar para o outro lado do país, porque isso significa “ir para onde estão os verdadeiros artistas, os escritores”, e, de certa forma, fugir da mãe e daquele local.
Em “Lady Bird” há todos os clichés da vida de uma miúda que se prepara para crescer. Há a melhor amiga (nada popular e sempre presente), o primeiro namorado (que nos deixa com borboletas na barriga), o irmão mais velho implicante (que se revela um apoio), o pai que não consegue repreender a sua menina (e a cumplicidade destes dois), a nova amiga linda e popular (mas que, enfim, talvez não seja a melhor companhia) e o tipo giro, misterioso, que parece completamente inacessível (afinal o mais acessível de todos, literalmente). E depois há a mãe. Oh, a mãe.
O musical da escola, as candidaturas para a faculdade, o baile de finalistas, a primeira vez - está lá tudo. Mas também está o medo. O medo de fazer as escolha erradas, de não ser fiel, de desiludir quem se ama. “Lady Bird” não tem grandes truques, prima pela simplicidade, pela genuinidade. Não precisa de mais. É um retrato de um momento da vida. É apenas bonito.
A escolha de Saoirse Ronan é absolutamente perfeita (aviso para comentário muito parcial: será, possivelmente, uma das melhores atrizes da sua geração, porque faz aquilo que poucas conseguem: é subtil, elegante e extremamente contida, não cai no exagero. Prova disso foi “Brooklin” (2015), pelo qual esteve nomeada também para melhor atriz e que tinha tudo para ser um filme lamechas e aborrecido mas que vive muito pela doce Ellis. Três anos depois, e de forma totalmente diferente, Ronan volta a conseguir fazê-lo em “Lady Bird”).
Lá fora, os críticos e entendidos em cinema falam “num dos poucos filmes sobre o amadurecimento de uma mulher”. Se “Lady Bird” começa com uma deliciosa discussão entre mãe e filha dentro do carro, termina com uma conversa num tom bem diferente. E isso mostra como Lady Bird cresceu. Como todo o saco de emoções, problemas e questões que atormentam uma típica adolescente ficou para trás, em Sacramento, e já não estão em Nova Iorque, onde está agora e se irá tornar mulher.
“Lady Bird” é uma reflexão: é sobre o que é ser miúda, o que é ser mulher. Mais do que isso, é sobre ser alguém completamente normal. É sobre todas nós.
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