Os fãs adoram a história de amor e otimismo (q.b.), os críticos arrasam a falta de diversidade e o “monte de clichés”. Por muito que as opiniões se dividam, certo é que “La La Land” é um sério concorrente a um número recorde (14 - na verdade 13 porque tem duas nomeações numa mesma categoria) de óscares: está nomeado para melhor filme, melhor ator, melhor atriz, melhor realizador, melhor fotografia, melhor guião original, melhor banda sonora original, duas melhores canções originais (!), melhor edição, melhor edição de som, melhor design de produção, melhor mistura de som e melhor guarda-roupa. Como é que isto aconteceu?
Damien Chazelle não tinha muitos argumentos a seu favor quando apresentou pela primeira vez a sua visão para ressuscitar o género musical e trazer um par que fizesse lembrar Fred Astaire e Ginger Rogers ao grande ecrã. Na altura, corria o ano de 2011, ainda o realizador contava apenas 26 anos, com a experiência de realizar apenas um filme e ainda sem o sucesso do seu “Whiplash”, de 2014, no currículo.
Era, por isso, de desconfiar a sua vontade incontornável de fazer um filme a lembrar os musicais clássicos de Hollywood, numa altura em que há muito que o género não traz grandes sucessos, sobretudo usando apenas músicas originais. Era a promessa para um erro de casting quase certo, acreditavam os produtores. “Não havia forma de qualquer ‘focus group’ dizer que queria ver algo como ‘La La Land’ antes de ver ‘La La Land’”, explica Erik Feig, copresidente da Lionsgate, citado pelo “Los Angeles Times”. Hoje, com as nomeações recorde de “La La Land”, todos sabemos que afinal, mesmo que o público não soubesse (ainda) o que queria, Chazelle sabia perfeitamente o que estava a propor-se fazer.
Mesmo assim, houve momentos em que a empreitada pareceu impossível, até para os produtores que sempre se mantiveram firmes ao lado do realizador e defenderam a sua decisão na luta para encontrar uma produtora que estivesse disposta a arriscar – e a investir uns pouco ambiciosos 30 milhões de dólares (28 milhões de euros) para tornar “La La Land” uma realidade. “[Nalguns momentos] tivemos a certeza de que o filme nunca seria feito”, garante o produtor Fred Berger ao “The Hollywood Reporter”. “Houve dois momentos determinantes. Um foi quando tivemos a luz verde da Lionsgate a dizer ‘Parabéns, vão fazer este filme’. Mas isso foi o elenco inicial (com os protagonistas Emma Watson e Miles Teller). Depois tivemos problemas de timing e perdemos os protagonistas e voltámos a ter um filme que nunca iria acontecer porque a lista de atores que têm esse tipo de química – aquele com qualidade de estrela do cinema antigo, que canta e dança e justifica que um filme destes seja feito – era muito curta.”
CRÉDITOS: CONTA NO FACEBOOK DO FILME “LA LA LAND”
O outro momento determinante foi, é claro, o casting de Emma Stone e Ryan Gosling, o par que já tinha conseguido convencer toda a gente em experiências anteriores (falamos de “Amor Estúpido e Louco” ou “Gangster Squad”) da química “incrível” e “orgânica” de que Chazelle se orgulha agora. E mesmo que toda a gente já acreditasse que eles conseguiam fingir-se de apaixonados como ninguém, faltava saber que eles também cantavam e dançavam, fosse com um pôr-do-sol deslumbrante em Los Angeles como pano de fundo ou a flutuar no teto do planetário da cidade, numa das imagens mais românticas de “La La Land”.
Foram meses de treino que dão aos papéis que os dois atores desempenham (Stone foi distinguida com um BAFTA para melhor atriz, mas também com um prémio SAG e um Globo de Ouro; Gosling acompanhou-a no Globo de Ouro) um sabor especial. Na cerimónia dos Globos de Ouro, Gosling agradecia à esposa, a também atriz Eva Mendes, por lhe ter permitido participar numa das “melhores experiências” que já viveu em cinema: “Enquanto eu estava a cantar, a dançar e a tocar piano (…), a minha mulher estava a criar a nossa filha, grávida da segunda, a tentar ajudar o seu irmão a lutar a sua batalha contra o cancro. Se ela não tivesse suportado tudo isso para eu poder ter esta experiência, seguramente estaria aqui outra pessoa”.
Seguramente, outro ator qualquer teria de trabalhar muito para desempenhar o papel daquele pianista de jazz nostálgico que luta para trazer a magia do género de volta aos clubes de Los Angeles, com uma aventura pelo jazz eletrónico a convite da personagem Keith, interpretada por John Legend, pelo meio. Gosling também teve de o fazer – foi apenas três meses depois de começar a tocar piano que teve a sua primeira cena em “La La Land”, um só take de uma complexa peça de piano. “Damien trouxe um duplo de mãos, mas eu sabia que o sonho dele era gravar sem precisar de um.” Cumpriu-se.
Por entre a aprendizagem e os treinos dos atores, outro aspeto do filme dificultou por várias vezes as filmagens – com o produtor Berger a dizer a Chazelle que tinha em mãos “um filme que reúne todos os elementos que tornam um filme difícil de fazer”: a ambição de “La La Land” de ser, como o cliché manda dizer, uma “carta de amor à cidade de Los Angeles” e contar com uma luz natural que parece saída de uma série de postais (basta lembrar a cena em que Gosling caminha pela ponte, cantando a nomeada ao óscar “City of Stars”, ou a cena em que o casal de protagonistas completa uma sincronizada cena de dança no topo de uma colina, ao amanhecer, com “uma janela de meia hora para a luz estar perfeita”, conforme descreve Gosling). Os méritos da fotografia do filme não se ficam por aqui, com as paisagens da cidade e os ângulos das portas dos cafés característicos de Los Angeles a assumirem importância num filme que celebra a cor e a diversão para os olhos.
Também Stone, que interpreta o que a própria personagem confessa ser o cliché de uma empregada no bar do estúdio Warner Bros., teve de treinar muito para dançar e cantar – particularmente a brilhante “Audtion (The Fools Who Dream)”, também nomeada para o óscar, que Stone interpretou com a lacónica indicação no guião: “Mia canta. Ela é brilhante” -, mas menos para se identificar com a personagem e perceber as suas experiências. É que também Stone, uma nativa do Arizona que aos 15 anos convenceu os seus pais de que devia mudar-se para Los Angeles para perseguir o sonho do cinema, passou pelos tortuosos processos de audição em Hollywood, muitas vezes para sair frustrada da sala de castings.
“É uma combinação estranha entre entrevista de emprego, primeiro encontro e rutura, diariamente. Sabes, entras num quarto e isto podiam ser os próximos sete anos da tua vida, e podias comprar uma casa e viajar, e depois ‘Espera, esquece!’, acabou, nunca vai acontecer (…)”, explica a atriz sobre o processo de audições ao “The Hollywood Reporter”. “No dia a seguir, será que este é o tal? Será este o tal? Não? Meu Deus, não eras mesmo o tal… E gritaste comigo!”
O trabalho deu frutos – do número recorde de nomeações aos óscares ao número recorde de globos de ouro que ganhou (sete), do sucesso de bilheteiras que se está a tornar face ao pequeno investimento que representou inicialmente, “La La Land” conseguiu imediatamente reunir críticas positivas e elogios de todo o lado, com fãs a confessarem a Gosling terem visto o filme “três, quatro vezes” em pouco tempo. O Saturday Night Live apressou-se a criar um sketch em que quem dissesse mal do filme era preso e interrogado, obrigado a reconhecer os méritos de “La La Land” (e ai de quem adormecesse durante o filme, crime imperdoável para os inspetores).
CRÉDITOS: CONTA NO FACEBOOK DO FILME “LA LA LAND”
O filme que os miúdos cool adoram odiar
Mas depois da primeira – e intensa – vaga de elogios e vitórias, chegaram as críticas. Focaram-se na visão nostálgica da personagem de Ryan Gosling, sobre o jazz e em como ela não representa a visão dos novos músicos do género; focaram-se na aparente contradição de fazer um filme tão focado no jazz e ter um protagonista branco a explicar as virtudes do género e a recolher os louros por saber tocar o piano. Focaram-se também na relação amorosa entre Mia (Emma Stone) e Sebastian (Ryan Gosling), argumentando que a mesma é sexista e desigual por ser ele a conduzir a maior parte dos planos e sonhos do casal ou a dar-lhe indicações sobre o que ela deve fazer. Para o “Boston Globe”, este tornou-se o filme que “os miúdos cool adoram odiar”.
Em grande medida, e depois de anos de polémicas por causa da falta de diversidade nas nomeações para os óscares (que levaram à hashtag #OscarsSoWhite), as críticas também se focam no facto de Hollywood preferir um filme que se concentra na própria indústria, em imagens bonitas e canções bem dispostas, numa história de amor entre dois protagonistas jovens e brancos, numa altura de agitação política em que poderia ser mais interessante chamar a atenção para obras mais diversas, como “Moonlight”, o principal rival na corrida aos prémios, que conta a história de um jovem negro e gay a crescer e fazer o seu caminho numa comunidade problemática em Liberty City, Miami.
CRÉDITOS: CONTA NO FACEBOOK DO FILME “LA LA LAND”
“Eu quis fazer um filme sobre esperança, sonhos e amor, e estas são coisas importantes para celebrar em qualquer ano, em qualquer altura, mas especialmente agora”, disse Chazelle nos BAFTA, onde o filme levou cinco dos principais galardões (ao contrário de “Moonlight”, que saiu de mãos a abanar), como em jeito de justificação. Stone também pendeu para o lado mais político ao agradecer o seu prémio de melhor atriz, falando numa altura conturbada em que é preciso “valorizar o dom positivo da criatividade”, que ultrapassa fronteiras e “nos faz sentir menos sozinhos”.
Esse é um mérito difícil de tirar a “La La Land”: durante os minutos em que nos tornamos parte daquele mundo mágico de sonhos e esperanças, veiculados por dois jovens que lutam para alcançar o que desejam, a tendência para o otimismo é quase inevitável. E mesmo que nem sempre tudo corra bem aos protagonistas, a sequência final é visualmente – e narrativamente – imperdível; mas quando a vir não se deixe iludir, porque os produtores esclarecem que esta nunca esteve pensada para ser um final alternativo, como os mais românticos poderiam especular.
(No dia em que são anunciados os vencedores dos Óscares, o Expresso recorda os artigos que publicou, sobre os principais filmes na corrida)