Coronavírus

Brasil. Com receio de “relatório sacana”, Bolsonaro exige CPI com prefeitos e governadores: “Você tem que fazer do limão uma limonada"

Brasil. Com receio de “relatório sacana”, Bolsonaro exige CPI com prefeitos e governadores: “Você tem que fazer do limão uma limonada"
Bloomberg

Em conversa telefónica com senador, Jair Bolsonaro explica que é importante que a Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado à gestão da pandemia seja estendida a prefeitos e governadores. “Se não mudar a amplitude, a CPI vai simplesmente ouvir o [ex-ministro da Saúde, Eduardo] Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana"

"A CPI hoje é para investigar omissões do Presidente Jair Bolsonaro, ponto final. Quer fazer uma investigação completa? Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai vir só pra cima de mim. O que tem que fazer para ser uma CPI que realmente seja útil para o Brasil? Mudar a amplitude dela. Bota governadores e prefeitos. Presidente da República, governadores e prefeitos"

Este é um dos trechos da conversa entre Jair Bolsonaro e o senador Jorge Kajuru, em que se ouve o Presidente a exigir a ampliação da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da pandemia de covid-19 a prefeitos e a responsáveis dos governos regionais. Ou seja, em vez de se esclarecer meramente supostas omissões do Governo Federal, nomeadamente do Ministério da Saúde, Bolsonaro pretende que seja esmiuçado também o papel de prefeitos e governadores durante a crise sanitária.

A conversa entre Bolsonaro e Kajuru aconteceu no sábado e foi publicada pelo segundo no domingo. Nessa mesma conversa pode ouvir-se a seguinte declaração do Presidente: “Se não mudar a amplitude, a CPI vai simplesmente ouvir o [ex-ministro da Saúde, Eduardo] Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana. Kajuru, você tem que fazer do limão uma limonada. Por enquanto é um limão que tá aí. Tá para sair a limonada". Segundo o comentador da GloboNews e repórter Octavio Guedes, “já foi o tempo em que CPI dóceis ao Planalto eram chamadas de pizza. Na era Bolsonaro virou refresco”.

No final de janeiro, e depois do episódio da falta de oxigénio em Manaus, um juiz do Supremo Tribunal Federal autorizou a abertura de um inquérito para investigar a conduta do agora ex-ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, entretanto substituído por Marcelo Queiroga.

Esta história, que mete limões e outrora pizzas, começou na quinta-feira quando um juiz do Supremo determinou que o Senado instalasse uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar supostas omissões do Governo Federal no contexto da pandemia. Foi o magistrado Luís Roberto Barroso que aceitou um recurso apresentado por um grupo de senadores, uma intenção que brotou nos primeiros dias de fevereiro, colocando em marcha a CPI no Senado.

Na conversa que aterrou na praça pública no domingo, Bolsonaro dedicou umas palavras ao senador Randolfe Rodrigues, o pai do requerimento de criação da CPI. "Se você [Kajuru] não participa [na CPI], vem a canalhada lá do Randolfe Rodrigues para participar e vai começar a encher o saco. Daí vou ter que sair na porrada com um bosta desses”, pode ler-se neste artigo da “Folha”.

A estratégia do Planalto, a de envolver prefeitos e governadores, visará retirar força aos apoios à implementação dessa mesma CPI, pois há senadores que estão intimamente ligados às administrações dos estados. "CPI que não investiga é pior do que CPI não instalada", resumiu ao “G1” um experiente observador do Senado. Isto é, a ideia poderá passar por um mero agitar das águas da investigação para mudar o foco do holofote e quem sabe diluir alguns eventuais crimes do Governo Federal, ganhando assim um “atestado de ficha limpa”, como escreve Octavio Guedes. Para outro comentador político da GloboNews e da TV Globo, Gerson Camarotti, Bolsonaro está “em modo desespero”, procurando “dispersar foco da CPI”.

A publicação da conversa entre Kajuru e Bolsonaro estará a ser vista como um teatro para constranger magistrados. Pelo menos é assim que o Supremo ou alguns magistrados estarão a ver esta película, segundo a jornalista e cronista da “Folha”, Mônica Bergamo, a quem admitiram o cenário de a conversa não ter sido espontânea e de a publicação ter sido combinada. O juiz do Supremo Marco Aurélio Mello já reagiu publicamente a este caso: "Em tempos estranhos nada surpreende, deixa a todos perplexos”.

Antes de a conversa entre senador e Presidente ser pública, o juiz do Supremo Alexandre de Moraes criticou Bolsonaro, no sábado, pelas palavras contra Luís Roberto Barroso, o homem que deu 'luz verde' a um grupo de senadores para avançar com a CPI, a quem acusou de faltar “coragem moral”. "É lamentável a forma e o conteúdo das ofensas pessoais que foram dirigidas ao ministro [juiz] Luís Roberto Barroso", disse Alexandre de Moraes, aqui citado pelo UOL. "Eu digo a forma e o conteúdo porque não só o conteúdo é falso, absolutamente equivocado, mas a forma também. A forma grosseira, a forma descabida, eu diria, de relacionamento entre os poderes.”

Recuperando a conversa entre Bolsonaro e Kajuru, ambos tocaram no nome do juiz Alexandre de Moraes. "Acho que você já fez alguma coisa. Tem que peticionar o Supremo para botar em pauta o impeachment também de...", vai dizendo Bolsonaro quando é interrompido pelo senador Kajuru, que lhe deu a notícia em primeira mão de que colocou em marcha igualmente um pedido para que o próprio ministro Barroso determine ao Senado que seja debatido o impeachment de Alexandre de Moraes. “Parabéns a você”, ouve-se sair da boca de Bolsonaro.

“Sabe o que eu acho que vai acontecer? Eles vão recuperar tudo. Não tem CPI, não tem investigação de ninguém do Supremo", sentenciou Bolsonaro. E, depois de um pedido de reconhecimento do senador, acrescentou: “Kajuru, depois do que conversámos aqui, nós estamos afinados, nós os dois. CPI ampla e investigar o ministro [juiz] do Supremo. Ponto final”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate